“Eu vejo a escola como um potencial utópico”

O educador e mestre em Física teórica Daniel Tygel esteve no Gaia Escola e falou sobre Educação, desafios e horizontes da Economia Solidária no Brasil

No dia 27 de fevereiro, os participantes do Gaia Escola receberam Daniel Tyger para mais um encontro da Dimensão Econômica. O educador, que atuou sete anos na Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária, abordou os caminhos para uma economia sustentável, falando sobre a origem do movimento, diferentes correntes, conceitos e desafios. Ele deu continuidade a um processo iniciado no primeiro encontro do ano, quando o economista Marcos Arruda introduziu a importância das escolas na construção de uma Economia Solidária.

Daniel enfrentou mais de 10 horas de ônibus vindo de Caldas, sul de Minas, para compartilhar com os gaianos sua trajetória no movimento da economia solidária e porque “acredita no poder de transformação do Gaia Escola”. Para ele, a mudança se dá no movimento, no envolvimento de vários atores estratégicos e não apenas em projetos isolados de Educação. Nesta entrevista, ele trata sobre alguns marcos legais que podem facilitar a entrada de produtos da economia solidária nas escolas e sua visão nada romântica sobre o poder emancipatório das escolas. Confira:

Quais são os principais desafios para se implementar a economia solidária no contexto das escolas?

A maior dificuldade que tenho para trabalhar a economia solidária no contexto escolar é que particularmente eu não acredito numa disciplina de economia solidária, acredito mais no processo vivencial e teórico em que as pessoas experimentem e compreendam melhor como são os processos de tomada de decisão, de realização da democracia. Então, um dos principais desafios é que a estrutura escolar é extremamente hierárquica, ou seja, tem pouca abertura para processos autogestionados. Então a economia solidária pode ficar um pouco maquiada, porque você fala de autogestão, horizontalidade, em um ambiente que não comporta essa realidade. Economia solidária toca no cerne dos próprios processos de tomada de decisão, do que se consome na escola, de luz, energia, água, como se dá a limpeza. Não há espaços efetivos de participação.

Quais marcos legais podem ajudar a inserir a economia solidária nas escolas?

O Programa Nacional de Merenda Escolar define que 30% da merenda escolar deve ser comprado da agricultura familiar local, esse pode ser um campo interessante para se trabalhar a economia solidária nas escolas. Os alunos podem decidir juntos, elaborar receitas que usem produtos da região na merenda. Aí pode haver um gancho legislativo, existem alguns, como o Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário que reconhece as iniciativas de economia solidária como iniciativas econômicas independentemente de sua formalização, então o cadastro dessas iniciativas pode criar outros fornecedores de mesa, de produtos para a escola. Outro aspecto que ajuda são os PCNs, dentro da própria educação, os parâmetros curriculares permitem a criação de projetos interdisciplinares. A economia solidária cairia num projeto deste tipo.

Você acredita que as escolas podem empoderar cidadãos para construir uma economia solidária dentro das comunidades?

Eu vejo a escola como um potencial utópico. Você vê a escola como potencial, mas ela está tão incorporada no sistema que a capacidade efetiva de uma escola romper com isso autonomamente é muito pequena. E, pior ainda, um grupo de professores dentro de uma escola, dentro de uma estrutura societal. O poder emancipatório da escola não pode depender de iniciativas simplesmente individuais, porque vira uma guerra de Davi contra Golias muito ingrata para o professor. Ele fica sendo visto como o diferente, sendo testado, então há necessidade de institucionalizar algum tipo de ação. A escola só poderá ser emancipatória por meio dessa institucionalização. Porque senão vira aquilo do empreendedorismo, você joga em cima do professor a responsabilidade de emancipar as crianças que eu acho uma visão muito romântica. O professor tem que dar conta da ementa, dos 50 minutos, da violência, conflitos internos entre os professores, seus conflitos familiares, além disso tem que ser o super-herói que vai emancipar as crianças? Eu vejo o professor como um ser humano. Não vejo a escola isoladamente como um elemento de transformação social. A escola é um lugar de grande potência, mas é necessário abrir espaços para essa potência aflorar. E esses espaços têm que ser institucionalizados, no horário de trabalho dos professores, para se gerar o diálogo, o espaço de tomada de decisão participativo. Aí o professor vai ser um elemento fundamental. Se a escola funcionasse como um elemento revolucionário já teríamos transformado a realidade social do Brasil há tempos.  É um processo que depende de muitos atores.

Você vê o Gaia Escola como um caminho nessa direção?

Acho fundamental. Acho que isso que está sendo feito no Gaia Escola, trabalhar com a perspectiva de Núcleos de Mudança dentro de cada escola é revolucionário. Aí sim você tem a capacidade de tocar nesse potencial que a escola tem. Você está gerando um movimento, criando um corpo.

O que é economia solidária para você?

A Economia solidária é um ambiente de trocas econômicas e não econômicas em que a base é o cuidado, a felicidade, a realização individual e coletiva, sem perder nenhum dos dois lados. Onde você pode propiciar esse espaço onde as pessoas podem ser elas mesmas em toda a sua exuberância e, ao mesmo tempo, do ponto de vista coletivo, corresponsáveis pelo seu próprio futuro.

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