A economista Marina Henriques esteve no Gaia Escola no último dia 19 para falar sobre sistemas colaborativos de apoio a projetos e como sair do paradigma da escassez para o da abundância
“Se todos se reconectam com a natureza e vivem na abundância, quem sabe um dia não precisaremos do dinheiro?”. Esse sonho coletivo foi uma das reflexões que surgiram no encontro da economista Marina Henriques com a Comunidade Gaia Escola, no último dia 19. Formada em Economia pela UFF e com pós-graduação em Gestão do Conhecimento e Economia Social, Marina começou a questionar esse sistema econômico ainda na faculdade. Foi aos poucos descobrindo pessoas que estavam nesse movimento e transitou pela economia solidária, compartilhada, colaborativa e criativa. Há dois anos a educação chegou forte em sua vida integrando todo este conhecimento acumulado e mostrando novos caminhos.
No encontro gaiano, Marina buscou trazer a discussão sobre o que o dinheiro representa em nossas vidas e o que deveria representar. O que podemos fazer para sair deste ciclo de trabalhar para ganhar dinheiro, pagar dívidas, alimentar o consumo exacerbado? A provocação foi para a trabalhar a cura desse dinheiro, sair do paradigma da escassez para o da abundância, entendendo que o dinheiro tem a lógica do dar e receber, que faz parte da economia da dádiva e do amor. “Temos que entender qual a intenção estamos colocando quando consumimos alguma coisa, ter cada vez mais consciência do que apoiamos e incentivamos quando gastamos o nosso dinheiro”, explica Marina.
Durante a vivência, descrita pela economista como “forte e emocionante”, a escola foi vista como um motor desse sistema econômico financeiro em que vivemos, pois cria soldados sem autonomia para alimentá-lo. Mas como mudar esse papel? Confira na entrevista exclusiva abaixo:
O que é a lógica da escassez?
Entendo que a lógica da escassez se inicia quando a humanidade começa com essa questão do progresso, do lucro, e passa a destruir a natureza que é abundante, que sempre forneceu todos os bens que todos os seres precisam, numa lógica de ecossistema, distribuído, com muita diversidade. A partir do momento que a gente vai destruindo isso, vamos nos desconectando dessa abundância e vamos entrando no paradigma da escassez, entendendo que temos que trabalhar para alimentar esse paradigma e para obter o que a natureza nos daria. Essa lógica começa aí e é alimentada para nos desconectar, esquecermos que existe a abundância. O dinheiro surge como um centro retroalimentador desse sistema, que simboliza poder, obter os itens que você quer e não somente o que você precisa. Na lógica da escassez queremos ter, esquecendo o ser, nossa essência. Mesmo quem tem muito dinheiro, vive nessa lógica da escassez, com essa necessidade de acumular, de competir, de se frustrar se não tem alguma coisa.
Como mudar para o paradigma da abundância?
A gente muda isso quando nos reconectamos com a nossa essência, quando entendemos nosso contexto como indivíduo, quem somos e quem fomos tolhidos de ser, nosso contexto familiar, para daí a gente se colocar no mundo de outra forma, entendendo que a natureza nos dá o que precisamos e, por isso, precisamos nos reconectar com ela. Precisamos não nos separar, a lógica da abundância tem a ver com integração das dualidades todas criadas no paradigma da escassez, viver de forma distribuída e não centralizada, onde muitos passam a ter acesso de forma integrada e não-excludente e com direito de expressar, acessar quem você veio ser, por isso tem tanto a ver com a educação.
Qual o papel da educação no atual sistema e como sustentar financeiramente projetos de mudança?
A educação no paradigma da escassez forma soldados para alimentar o sistema. No paradigma da abundância, ela vem como ferramenta para as pessoas expressarem e descobrirem quem são. Uma forma de transformar essa realidade e que sugeri para os núcleos de mudança na Comunidade Gaia Escola foi otimizar os recursos através dos instrumentos que vimos da economia solidária, moeda social, emprestar/ alugar coisas, promover feiras de troca e a economia colaborativa, com um preço menor para que mais pessoas tenham acesso aos produtos e serviços. Enfim, uma forma para conseguir a sustentabilidade dos projetos, utilizando novas ferramentas, como o financiamento coletivo, por exemplo.
Qual a importância de um sistema de redes para essa transformação?
O sistema de redes é fundamental. Em Gaia tudo está conectado, todos nós somos únicos e muito importantes. Para a gente se manifestar plenamente, precisamos acessar essa essência nossa individualmente, para depois, em relação, a gente viver, construir o que queremos para o nosso mundo. E isso só é possível em redes. Eu acredito na força de países muito grandes como o Brasil, a mudança não vai vir de cima para baixo, ela vai vir dessas pequenas comunidades conectadas em redes.
Para você, o que o dinheiro representa e o que ele deveria representar?
Só revisitando nossa história podemos refletir no que estamos alocando o dinheiro, no que estamos consumindo. Foi isso que coloquei no Gaia, o dinheiro virou um tabu, até quem tem muito tem vergonha. Mas podemos revisitar essa história, podemos pensar “beleza, isso foi algo que a nossa sociedade inventou, o que fazemos com isso agora?”. E aí, não vai fazer diferença ser dinheiro ou qualquer outra coisa, porque você vai começar a fazer as coisas a partir do seu coração, do que tem valor na sua vida. A partir do momento que reconhecemos nosso valor no mundo, essa chave do dinheiro é virada. Entendemos que não precisamos de tanta coisa, mudamos o nosso padrão de consumo desenfreado. Tudo está na questão da gente se revisitar, olhar quem somos até aqui, honrar tudo isso, se apaziguar. Vivemos um tempo de muita escassez, o preço das coisas vem a partir do valor das coisas, e esse valor vem a partir dessa conexão com a nossa essência, o que é essencial, a nossa natureza. Quando a gente vai trabalhando a integração, o consumo consciente vem de forma fluida. Se todos se reconectam com a natureza e vivem na abundância, quem sabe um dia não precisaremos do dinheiro?
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