Biritiba-Ussu, 8 de agosto de 2041
Entre os dias 9 e 12 do agosto de há vinte anos, a Revista Educação promoveu a homenagem de dois grandes educadores – os amigos Sérgio Cortella e Rubem Alves – e a eles juntou o meu nome.
Foi o meu amigo Rubem quem me deu a conhecer a Revista Educação. Acompanhei-no numa colaboração mensal e a mantive, após o seu falecimento. Foi no fraterno convívio, na sua casa brasileira e na minha casa portuguesa, que saboreamos crônicas e notícias, à mistura com cachaça de Minas e vinho tinto do Alentejo.
O Rubem me conduziu à descoberta de Anísio, que defendia a necessidade de mudar a escola, para que esta se tornasse um instrumento de mudança social. O Rubem me levou ao encontro da Nise, do Florestan, da Nilde, do Lauro e de um íntimo Freire, sobre cuja integração na ortodoxa universidade o Rubem escreveu um…“não-parecer”.
Durante a ditadura, muitos mestres educadores se exilaram. No julho de há cinco anos, a morte do Rubem significaria um novo exílio? Este português abrasileirado assistira à segunda morte de Anísio, a morte da memória. Encontrara Freire sequestrado nos arquivos de teses das universidades, quando a sua obra deveria inspirar o labor dos educadores e das escolas. Estranhava não encontrar os livros do Mestre Lauro nas bibliotecas das faculdades de pedagogia. Que Brasil era esse, que ignorava a obra dos seus maiores educadores? Que país era esse, que os mantinha no exílio?
Esses mestres regressariam do exílio e chegariam ao chão das escolas, durante a década de vinte. Muito pelo engenho e arte do Rubem, que me trouxe para o Brasil, nas páginas de um livrinho (“A Escola com que sempre sonhei”).
Na sua primeira visita à Escola da Ponte, Rubem Alves deteve-se a observar uma menina, que consultava um dicionário. Perguntou-lhe por que o fazia. A menina respondeu:
“Estou a fazer uma lista de palavras “difíceis” deste texto e a escrevê-las de uma maneira mais simples”.
O Rubem insistiu:
“Foi um professor que te mandou fazer essa tarefa?”
“Não.” – disse a menina – “Eu sei o sentido destas palavras. Mas os meus colegas pequeninos ainda não sabem consultar o dicionário. E eu decidi ajudá-los. Assim, eles compreendem o texto”.
Tal como a solidariedade em ato, que o Rubem testemunhou, as crônicas publicadas na Revista Educação não foram mais do que exercícios de escrita solidária. Nelas eu mostrava aos educadores que no Sul morava a nova educação do mundo.
Diziam-me ser uma utopia aquilo que eu escrevia na última página da Revista Educação. Mas, uma utopia é uma possibilidade que pode efetivar-se no momento em que são removidas as circunstâncias provisórias que obstam à sua realização. Tal como o Rubem utópico, também eu desejava “uma escola em que o saber fosse nascendo das perguntas que o corpo fazia”. Ansiava por uma escola em que o ponto de referência não fosse o programa a ser cumprido, mas o inteiro corpo da criança que vivia, se admirava, se encantava, perguntava, provava com a boca, errava, se machucava, brincava – uma escola que fosse iluminada pelo brilho dos inícios.
“Kairós”, palavra grega, significa “o momento oportuno”, tem o mesmo sentido que “Aevum”, que significa “Eternidade”. Quando o amigo Rubem distinguia otimismo de esperança, dizia-nos que o otimismo era da natureza do tempo, enquanto a esperança era da natureza da eternidade. Esperançosamente, após a partida do meu amigo, continuei a perseguir a utopia que me dizia ser possível que aquilo a que chamamos “Escola” pudesse sair de um longo, muito longo Inverno.
Nos idos de vinte, o longo Inverno da Educação deu lugar a tempos luminosos.
Por: José Pacheco