Campos Belos, 15 de agosto de 2040
Na sua obra “A Educação e o Significado da Vida”, Krishnamurti, diz-nos que “a educação correta começa com o educador, que tem de se compreender a si mesmo e estar liberto de padrões de pensamento”. Eu convivia com educadores supostamente “libertos de padrões de pensamento”, que lhes tinham sido inculcados pela escola da ensinagem. E sofria, por ver que alguns desses educadores, talvez por distraída omissão, estavam mancomunados com um poder público cativo de tais padrões.
Nesse distante agosto, entre os jovens virtualmente “alcançados” pelos seus professores, havia a sensação de que aprenderam muito pouco com as aulas remotas. No ensino à distância, pouco, ou mesmo nada, se aprendia. Só faltava reconhecer que a ensinagem presencial era tão inútil e prejudicial como a ensinagem remota.
Nas discussões sobre a retomada das aulas, era frequente falar-se de ensino híbrido, um famoso paliativo do modelo da instrução. Escolas particulares e redes públicas de ensino usavam essa terminologia para designar a mistura de ensino remoto com o presencial. A Lilian apontava dois principais atributos das interações online: favorecerem que os alunos aprendam em seus tempos e ritmos e a riqueza de dados que este ambiente traz. “No ensino remoto, o aluno tem maior flexibilidade na gestão do seu tempo, podendo voltar ou pausar um vídeo”, como se consumir currículo em vídeo constituísse gestão autônoma. O Cláudio acrescentava: “O ensino híbrido possibilita que se supere aquela visão de que toda a turma precisa estar fazendo exatamente a mesma coisa”, no pressuposto na inevitabilidade da organização em “turma”.
Eu reconhecia nesses jovens capacidade para se libertaram de padrões de pensamento, que lhes tinham sido inculcados pela escola da ensinagem. Por que não se libertavam do obsoleto modelo de ensinagem? Por que não conseguiam pensar fora do “padrão”?
No decurso da pandemia, muitos foram os projetos de efetiva transformação das práticas. Muitos foram, também, os destruídos. Entre os empecilhos da mudança e da inovação, avultava a defesa do modelo da instrução, ainda que disfarçado de invertido, híbrido, ou qualquer outro paliativo. Porém, outros empecilhos nós identificávamos: o “alguém” e o “áulico”.
Do primeiro vos falarei em breve. Era um sinistro personagem, que habitava as catacumbas ministeriais. Não sabíamos se era homem, mulher, se era um indivíduo ou um coletivo. Apenas sentíamos os efeitos destruidores da sua insana atuação. Do segundo personagem vos passarei a falar nas próximas cartinhas. A ação de dissimulados áulicos era tão ou mais destrutiva do que as maldades cometidas pelo “alguém”. Porque os áulicos eram bem conceituados, quase todos doutores em educação, fazedores de opinião.
Todos viajaram “antes do combinado”, como diria o Boldrin. Já não estão entre nós, neste ano da graça de 2040. Espero encontrá-los no lugar etéreo, para onde, em breve, irei. Se, nesse lugar, memória desta vida se consente, embora imagine que não irão acreditar que já não existe “escola da aula”, lhes darei essa notícia. Não para lhes causar desgosto, mas para que saibam que o seu desdém e as torpes críticas dirigidas a educadores que contestavam o instrucionismo não impediram que a mudança e a inovação acontecessem. Para que sintam alguma vergonha da conivência com um poder público intelectualmente corrupto. Para que se arrependam das suas omissões e dos seus obscenos silêncios.
Por: José Pacheco