Alter do Chão, 16 de agosto de 2040
Nos idos de setenta, assim falava a Jacinta:
“Nos projetos, que neste centro foram gerados, impera a alegria e a boniteza freireana. E esse tal “sistema”, que dizem que não permite mudanças… somos nós! Que rigor e que exigência existem num modelo educacional, no qual alunos do século XXI são “ensinados” em aulas do século XIX?”
Já nos anos 20 deste século, eu escutei a mesma pergunta, mas… “atualizada”. E a Jacinta, formadora da Associação PROF, estranhava que, decorrido meio século, ainda houvesse quem ignorasse a existência do princípio do isomorfismo na formação, quem acreditasse que a teoria precedia a prática, quem considerasse o formando como objeto de formação, quando deveria ser tomado como sujeito em autotransformação, no contexto de uma equipe, com um projeto. há vinta anos, prevaleciam práticas carentes de comunicação dialógica, culturas de formação individualistas, de competitividade negativa, das quais estava ausente o trabalho em equipe.
Uma das fundadoras do centro de formaçãoda PROF escreveu numa avaliação do trabalho em círculo de estudos:
“Temos melhorado o modo de ensinar, mas não combatemos o mal pela raiz. Se deixarmos de reunir, tudo volta ao princípio. A minha vida tem sido difícil na escola. Os quinze anos de trabalho já contam como trinta. Tenho necessidade de parar, para refletir. Não há direito de não nos deixarem trabalhar de maneira difeente. Os professores e gestores que impedem o nosso trabalho deveriam ser castigados. Há valores que falham nas pessoas dos professores. Teremos de mudar o nosso comportamento. Não estou doente. Estou consciente. Como elemento da associação devo falar isto. A associação deve permitir estes desabafos, sem termos medo de que nos considerem malucas. De outra forma, não me interessa continuar a ser professora. Não quero ser controlada por gestores ditadores”.
Em outro encontro de formação, ouvi falar de solidariedade, de senso crítico, de uma cultura feita de uma digna autonomia:
“Uma das coisas que esta associação conseguiu foi a partilha. E se não tivesse havido os ataques que nos fizeram, nem teria tido graça. Ouvia dizer que “eu tinha a mania que era diferente”, mas consegui acabar com a mediocridade. Deixai-me contar isto… Um inspector veio à minha escola e só queria números. Em termos da realidade que ali se vivia, nada! Não se pode admitir! Nós é que sabemos o que é melhor para os alunos! Disse que era superior herárquico. Respondi-lhe com respeito, mas de maneira que ele se foi e não voltou”.
Nesse tempo, resquícios da ditadura ainda se faziam sentir e incutiam insegurança e medo nos professores. Mas, o medo não era um sentimento que na PROF se cultivasse, como podereis verificar nestes excertos:
“Muitos colegas tiraram um curso para repetir o que lhes meteram na cabeça. Deixam-se manipular por outros. Para que o meu marido me considerasse (o trabalho dele é de fazedor de dinheiro e o meu é mal pago mas faz crescer outros) eu precisei de acreditar em mim em primeiro lugar. O meu marido não respeitava a minha profissão, dizia que era banal e insignificante. Ao fim de vinte e quatro anos de serviço e de vinte como casada, ele dá-me valor. Eu cresci perante o meu marido como pessoa, através da minha profissão.”
Com esta boa gente passei vinte anos, talvez os mais produtivos da minha vida profissional. Em 2020, as fundadoras da Associação PROF estavam aposentadas, outras haviam falecido. Mas, o seu exemplo de dignidade profissional inspirara e encorajara novas gerações de educadores.