Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXCVI)


Fidelândia, 23 de agosto de 2040

Ao longo do século XX, o Brasil foi pródigo em fazedores de boa educação. E um português ilustre se veio juntar a uma plêiade de sábios, ignorada pelos brasileiros, nos idos de vinte.
Para o Mestre Agostinho, mais importante do que educar, seria evitar que os seres humanos se deseducassem, pois “cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta”. Esta asserção aplicava-se plenamente aos tenebrosos tempos vividos por volta de 2020. Era preciso “não desanimar”, não desistir, esperançar.
Agostinho acreditava sermos capazes de reencontrar o que em nós é extraordinário para transformar o mundo. E agiu em coerência com as suas convicções. Ajudou a criar universidades, tertúlias, institutos. Traduziu para a língua brasileira a obra de Montessori e de outros escolanovistas, ousou a ruptura com o instrucionismo, gesto poético de quem aprendeu a arte de colocar o sonho em ato.
Debaixo de uma mangueira próxima da faculdade de Pedagogia da Universidade de Brasília, escrevia poemas, que distribuía por alunos, professores e candangos. E, quando propôs que se trocasse o lema “ordem e progresso” por “liberdade e desenvolvimento”, sofreu as consequências da sua civil desobediência e da coerência com o seu credo:
“Poeta é aquele que cria na vida alguma coisa que na vida não existia. A vida certa do mundo inteiro seria que cada um pudesse viver a sua vida e cada um dos outros pudesse ter esse espetáculo extraordinário de ver pessoas diferentes à sua volta e não, como tantas vezes acontece, sobretudo em pessoas que gostam de mandar nos países, achar que deve ser tudo igual, e quando aparece alguém diferente se ofendem, acham que está fugindo das regras, saindo da vida que deve ter”.
Em Santa Catarina, em São Paulo, na Bahia, na Paraíba e outros lugares do Brasil, que amou e celebrou, viveu como um franciscano, porque sabia que nascemos para criar e que a vida deve ser gratuita. Consta que, em Itatiaia, reuniu gente naquilo que, hoje, poderíamos designar por comunidade de aprendizagem. Sabia que o desenvolvimento dessas comunidades dependia da diversidade de experiências das pessoas que as integravam, bem como requeria que todos os membros que a constituíssem se envolvessem num esforço de participação, de produção conjunta de conhecimento, vizinho a vizinho, numa fraternidade aprendente.
Quando puderdes, lede o Manifesto lançado por educadores para quem Agostinho continuava a ser inspiração, educadores que não deixaram morrer a criança grande que os habitava, que perceberam o significado da entronização da criança na Festa do Divino, objeto de muitas de agostinianas reflexões.
Etimologicamente, a palavra crise – do grego Krisis – designa um momento crítico. Quarenta anos após a brasileira despedida de Agostinho, a educação daquela que foi a sua segunda pátria continuava imersa numa crise de séculos, com a Educação à deriva, pois quem a poderia transformar não tinha poder e quem tinha poder não a transformava.
Agostinho partiu de Brasília para Portugal, quando a ditadura destruiu o projeto da faculdade sonhada para Brasília, quando a pátria mãe andava distraída em tenebrosas transações e a ditadura levava Darcy ao exílio. Na Brasília de sessenta, deixou-nos um Instituto de Letras e o início de um projeto de universidade brasiliense e… brasileira. Com Anísio, Darcy e outros amigos do sul, Agostinho lançou sementes de mudança na educação, no reconhecimento de que não existe alternativa à concretização de utopias.
E novas utopias se anunciaram em… 2020.

Por: José Pacheco

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