Vi tristeza no rosto da Marina, uma pessoa maravilhosa, que organiza cursos de ensinar a navegar através da ética e integridade. A amargura apossou-se da Marina, quando ela se apercebeu de que muitos dos diplomados pelo seu curso manifestavam atitudes antiéticas. Toda a contradição tem
explicação…
Logo à entrada para o congresso, escutei os pedidos de sempre:
Pode dar-me a sua “apresentação”? Qual é o power point que o senhor vai usar?
Eu não uso power point.
Mas, todos os palestrantes usam. E o que é que o senhor vai dizer?
Não sei. Ainda ninguém me fez perguntas.
O técnico voltou-me as costas e foi instalar o power point de outro palestrante. Dei início à “palestra” como faço, há mais de quarenta anos:
O que querem saber?
Sucedeu um silêncio de mil professores. Sei que passaram por cursos de ouvir respostas a perguntas que jamais fizeram. Sei que dão aulas feitas de respostas a perguntas que os seus alunos não fazem. Compreendo que tenham deixado de perguntar. Para suscitar o debate, lancei uma pergunta:
Este congresso tem por tema “educação para a cidadania”. Nesta faculdade acontece “educação para a cidadania”, ou “educação na cidadania”?
A primeira pessoa a interpelar-me foi o palestrante que me sucederia no palco. Fê-lo sob a forma de provocação:
Porque é que você não faz como toda a gente? Quer ser original, é isso?
Respirei fundo, contei até dez, ignorei o sarcasmo e expliquei que houve tempo em que eu dei aula e fiz palestra “como toda a gente”:
Colega, se você se sente confortável lendo um discurso, ou um power point, nada tenho contra isso. Mas, escutou a minha pergunta? Quer responder?
Não respondeu. Disse que ensinava cidadania em duas aulas por semana. E, elevando o tom de voz, acrescentou:
Fique sabendo que, nesta faculdade, somos todos iguais, que todos têm os mesmos direitos!
Serenamente, perguntei:
O colega subiu para este auditório no elevador dos professores, ou no elevador dos alunos? E, quando precisa de satisfazer necessidades elementares, vai ao banheiro dos professores, ou no banheiro dos alunos?
Levantou-se. Dirigiu-me um olhar fulminante. Gritou que era PhD. E foi embora. Ainda há quem creia que se pode aprender civismo em aulas de educação cívica, em uma, ou duas horas por semana. Mas sabemos que uma aula não informa, uma aula conforma. Sabemos que uma aula não forma, ela deforma,
contribui para a produção de seres que se apequenam, porque a vida sem viver parece ser mais segura…
A sociedade brasileira está doente; afetada pelo medo, infestada de intolerância, manifestando tendências autoritárias. Uma corrupção endêmica e sindrômica pontifica onde reina a ignorância. E qual será a nossa quota parte de responsabilidade? Também teremos (nós, educadores) contribuído para a emergência desta crise moral e ética?
O meu amigo Vasco diz-nos que a ação do educador deve pautar-se na ética profissional vista como o compromisso de o homem respeitar os seus semelhantes, no trato da profissão que exerce. Educar é, essencialmente, uma atividade ética, com impacto social, com efeitos indeléveis na vida das
pessoas.
Venho insistindo em que é urgente que os educadores assumam um com compromisso ético (social e político) com a educação. Que não tentem educar para a cidadania, mas na cidadania, no exercício de uma liberdade responsável.
Por José Pacheco