Quando me perguntam por que razão, ao cabo de quase meio século, eu insisto em pedir que desaulem as escolas, respondo que nunca será demais fazê-lo. Porque se a aula – dispositivo central de um modelo educional centrado no professor –, alguma vez, foi um dispositivo pedagógico “eficaz e eficiente”, já não o é. Mesmo que enfeitada de novas tecnologias, mesmo que “invertida”, aula é aula.
Apesar de o Freinet, há um século, ter abdicado do palco da sala de aula, que sustentava a sua mesa de professor, toda a palestra (aula) tem um palco. O daquele congresso era imenso, uns dois metros acima do nível da plateia. Os espaldares das poltronas, onde se pode repousar o braço, ou apoiar algo onde se escreva, estavam todos situados do lado direito, pelo que presumi que o acesso ao local ficasse condicionado apenas a destros (certamente, haveria outro local, para sentar espectadores canhotos).
Os palestrantes desempenharam o seu papel a preceito, deram aulas magistrais, espectaculares manifestações da ancestral arte, enfeitadas com power point, música e ternurentos afagos do ego do espectador.
Caminhando para o palco, fui interpelado pelo organizador do evento:
Professor, por favor, não diga aquelas coisas, que você diz e que incomodam os professores.
O quê?
Você diz que uma aula é inútil e até prejudicial… Eu já o escutei dizer isso em outras palestras.
Iniciei a minha “palestra”, dizendo que aula é inútil e prejudicial e perguntando: O que quereis saber?
Sucedeu o silêncio habitual, interrompido pela intervenção de um palestrante, com assento na primeira fila, em tom irônico, provocador:
Eu sempre dei aula e dar aula ainda é o melhor dos métodos. Então, o que me diz, colega?
Se esse era o melhor dos métodos, perguntei-lhe o que sabia dos métodos piores. Todos os olhares se voltaram para o meu interlocutor, que ficou mudo e quedo. E, em poucos segundos, saiu do auditório, visivelmente incomodado.
Algumas escolas e secretarias de educação já se emanciparam de práticas fósseis. E uma universidade brasileira até trocou a aula pela aprendizagem por projetos. Mas adentramos o século XXI ancorados em velhas e nefastas práticas. Vamos adiando uma catarse, que nos liberte de atávicos procedimentos.
Os jornais informam que professores universitários vão ser inscritos em cursos, para adotarem novos modelos de aula (…). Adoção de novos tipos de aula, para que os alunos possam absorver melhor os conteúdos (sic) nas suas universidades.
Peremptório, o diretor de uma universidade afirma:
Não dá para abandonar as aulas tradicionais de uma vez.
Pois não! Escutamos esse discurso, há mais de cem anos E as universidades pagam milhões de reais a norte-americanos dadores de aula, para darem “aulas modernas”. Um absurdo! Recurso desperdiçado na compra de subprodutos de uma pedagogia requentada.
Ao meu lado, alguém matraqueou o celular – cena comum nas salas de espera de aeroportos – até fazer uma ligação:
Vou chegar à faculdade em cima da hora da aula. Você pode xerocar as páginas que os meus alunos de pedagogia vão ler hoje?
Devo confessar que sinto um prazer mórbido no alfinetar destes professaurios cultores das aulas. Mas quedar-me-ei por esta alfinetante crônica. Voltarei, em breve, para abordar a desusinação. É necessário desclausurar a escola da cela de aula. Mas, em plena Quarta Revolução Industrial, é preciso desusinar, dado que ela também tem por referência a produção em série das usinas da Primeira Revolução Industrial.
Por: José Pacheco