Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXCIII)

Teófilo Otoni, 19 de agosto de 2040

Enquanto colocava alguma ordem no caos dos meus arquivos, encontrei o registro de um encontro virtual em que participei, nos idos de vinte. Com o amigo Leonardo e outros extraordinários educadores dos institutos federais mineiros, vivi momentos de escuta e muitas aprendizagens. A audição desse registro suscitou a escrita desta cartinha.

Há uns sessenta anos, o Olivier avisava que aprender, em todos os domínios, era desaprender, mudar de hábitos no mais íntimo do ser humano. Aprender era romper com hábitos que se tornaram uma segunda natureza, abandonar pseudocertezas, afastar “obstáculos epistemológicos” oriundos da tradição e da experiência ingénua. Aprender seria desaprender, recusar as verdades primeiras, os “erros primeiros” do Gaston.

No poema XXIV, Alberto Caeiro dizia-nos ser necessário desaprender. Porque apenas pensar é estar doente dos sentidos. “O essencial é saber ver, saber ver quando se vê, o que exige um estudo profundo, uma aprendizagem de desaprender.”

Urgia incluir nos currículos de formação uma pedagogia da desaprendizagem. Precisávamos reelaborar a nossa cultura pessoal e profissional, “raspar a tinta com que nos embotaram os sentidos”, para ouvir e escutar pedidos silenciosos de alunos, para sentir apelos inauditos e compreender os motivos de um não querer.

O que resta para a Escola ensinar? – perguntava, em 2010, a minha amiga Ely. E logo me vieram à mente os quatro pilares do relatório da UNESCO. Teria a Escola ensinado aquilo que o Jacques Dellors, muitos anos antes, havia recomendado? Os jovens teriam aprendido a conhecer, a fazer, a ser e a conviver?

Aprender a conhecer era algo arredio do universo escolar. Quanto muito, os jovens eram depositários de informação jamais transformada em conhecimento, quase-inutilidades, que apenas serviam para debitar em provas e alcançar um diploma. As escolas deveriam ser espaços de aprendizagem, mas eram espaços de ensinagem. A escola que, infelizmente, tínhamos nos idos de vinte não lograva concretizar os quatro pilares da UNESCO. E nem suspeitava de que havia mais três: o aprender a desaprender, o aprender a desobedecer e o aprender a desaparecer. Nesta cartinha, vos falo do primeiro. Talvez vos fale dos restantes, numa outra.

Dizia o Manoel que aprender era desaprender, para vencer o que nos encerrava, nos alienava, porque “desaprender vinte e quatro horas por dia ensina princípios”. Para o amigo Nóvoa, o centro (e o sentido) da escola era a aprendizagem e as pessoas que a realizavam. Mas, nos anos vinte, carecíamos de desaprender.

A resposta à pergunta da Ely era simples: se a família não ensinava a viver, à Escola restava ensinar tudo… e não conseguia. Até a Clarisse havia dado conta da falência do instrucionismo, expressa numa espécie de autocrítica:

Quando penso que eu dava aulas de matemática e português a ginasianos, mal acredito. Porque hoje seria incapaz de resolver uma raíz quadrada. Quanto a português, era com o maior tédio que eu dava regras de gramática. Depois, felizmente, vim a esquecê-las. É preciso antes saber, depois esquecer. Só então se começa a respirar livremente”.

Há quase meio século, um professor propôs que usássemos a internet de maneira investigativa e criativa. Na sequência e no contexto da pandemia, uma jovem me dizia que tinha tudo aquilo que precisava para estudar. Em casa, na biblioteca, na internet… sem precisar cumprir horário de aula.

Essa jovem tinha compreendido a mensagem de um vírus. Os educadores dos institutos federais mineiros, também.

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