Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CLXXXVII)

Primavera do Leste, 13 de agosto de 2040

Há quase cem anos, na cidade de Socorro, as percursoras classes experimentais da Maria Nilde eram sementes do que viria a ser o Vocacional. Em boa hora o Luciano se apercebeu do valor desse projeto e convidou a Nilde para participar da comissão de educadores, que, nos idos de 1960, concebeu esse projeto.

O amigo Lauro afirmou que o Vocacional foi a experiência mais significativa na educação pública brasileira até à década de 1970. Em São Paulo, Americana e Batatais se concretizava a pesquisa, os projetos de intervenção na comunidade, a educação artística, o trabalho em equipe, os estudos sociais, num currículo integrado de escola comunitária. Nilde introduziu a prática da auto avaliação e substituiu notas por conceitos. Na base da construção do currículo estava a realidade social, características culturais e socioeconômicas do lugar.

Em São Paulo, o estudo noturno criou oportunidades para jovens trabalhadores do bairro, a quem a escola tradicional havia negado conhecimento. Mas, o projeto nem uma década durou. Nilde resistiu à “crise de 65”, quando negou a matrícula “ao jeitinho brasileiro” de um filho de funcionário de confiança do secretário de educação. Foi demitida. A mobilização de professores, funcionários e pais de alunos, em assembleias na capital e no interior, forçaram o governo a reconduzi-la no cargo de coordenadora. Porém, à semelhança de projetos destruídos, já no início deste século, os Vocacionais do século passado estavam sujeitos à ameaça, sujeitos à repressão e condenados à extinção.

O “AI-5” impôs limitações. Nilde contestou-as. Policiais e militares invadiram os ginásios vocacionais. Nilde e os seus professores foram presos. A ditadura impôs a sua aposentadoria, crente de que a impediriam de agir. Nilde fundou uma assessoria de projetos, pesquisa e planejamento de ação comunitária e educacional, interveniente na defesa dos direitos humanos e dos perseguidos políticos do regime militar… e voltou à prisão.

Na década de 1970, já professora da PUC, Nilde implantou um programa para mulheres de baixa renda, nas favelas de São Paulo. Essa e outras iniciativas dotaram-na de formação experiencial, que lhe permitiu elaborar uma extraordinária tese de doutorado.

Visitei os lugares dos extintos ginásios vocacionais. Os jardins de sessenta tinham sido substituídos por muros e estacionamento de carros. O que restava dos edifícios tinha janelas ornadas de grades.

Nas minhas deambulações pelo chão das escolas brasileiras, me surpreendia o fato de, nos cursos de pedagogia, não se falar da Nilde e de outros egrégios pedagogos brasileiros. Nunca encontrei um livro de Lauro Lima nas bibliotecas das faculdades de pedagogia. Nunca encontrei professores que conhecessem a estória dos Vocacionais. Por isso, em muitos lugares a recontei.

Em 1999. com o seu desaparecimento da insigne educadora, a memória do projeto se esvaiu. Mas, ressurgiu no distante mês de agosto de 2010. Ex-alunos dos Vocacionais organizaram-se em associação. Acompanhei-os em emocionantes encontros e os recordo com saudade. Eram brasileiros conscientes de que o espaço público da educação ultrapassara a exiguidade das paredes da sala de aula e que essa mutação parecia ser imperceptível para a maioria dos professores. As medidas de política educacional continuavam cativas de vícios institucionais jamais questionados. Nilde questionou!

 

 

Por: José Pacheco

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