Governador Valadares, 23 de agosto de 2040
Escondido no fundo de uma nau, a caminho do Maranhão do século XVII, Vieira escreveu num dos seus “Sermões”:
“Vós, diz Cristo, falando com os pregadores, sois o sal da terra. E chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção”.
Discretamente, cuidadosamente como deveria agir um foragido da Santa Inquisição, um jesuíta denunciava a corrupção que grassava no Reino de Portugal e dos Algarves. Também na sociedade e na escola do século XXI, faltava o “sal” do Vieira. E a imprensa fazia eco de um “caso de cola”, protagonizado por alunos de um centro de estudos. Cito o articulista:
“Esses formandos foram reduzidos ao estatuto de alunos e os formadores elevados à categoria de catedráticos. E, assim, em vez de efetiva preparação profissional, se ministra um ensino essencialmente teorético, em que a cabeça dos formandos é atulhada com tecnicidade pelos seus omniscientes mestres. Não admira que, assim tratados, se comportem como alunos, para quem copiar nos exames sempre foi uma espécie de direito natural”.
Diz a sabedoria popular que cesteiro que faz um cesto faz um cento. Tínhamos razões para nos preocuparmos com a degenerescência da honestidade. E, quando essa degenerescência se manifestava na escola, talvez se explicasse a degenerescência restante.
Um professor-vigia de uma prova nacional foi instruído pelo “manual do aplicador” a colocar os alunos a uma “distância prudente” uns dos outros. Inteligente, como qualquer professor, apercebeu-se de que, sem nada dizer, o não-verbal falava mais alto do que o verbal e que ele agia como quem considerava estar na presença de seres potencialmente desonestos. Com tal procedimento, estaria a praticar o chamado “currículo oculto”, a transmitir valores negativos aos alunos: mentira, deslealdade, falsidade, “espertismo”. E, como esse professor, para além de inteligente, era sensível e assumia individualmente responsabilidade pelos atos do seu coletivo, sentiu-se um ser miserável.
Uma escola brasileira decidiu enviar os deveres de casa através da internet. Aqueles alunos que realizassem todas as tarefas seriam recompensados com um ponto extra na média do bimestre. A “inovação” foi um sucesso enquanto durou. Um professor descobriu que as respostas constavam de um site de relacionamento criado por uma aluna. A criativa aluna foi ameaçada e instada a retirar as respostas do site.
Numa das minhas viagens pelo chão das escolas, li num dístico, à entrada de um hotel: “Caro hóspede, devido à triste estatística de três ou quatro toalhas extraviadas por mês, estamos intensificando a revista após o fechamento da sua conta”. O absurdo virara instituição, como se avalia por mais uma situação, que passo a descrever.
O Gastão era professor e homem que se dizia íntegro. Um amigo do Gastão ganhou a eleição para a prefeitura e convidou-o para ser o chefe de divisão de educação. Seria necessário conferir seriedade à escolha e foi aberto concurso público. Falta referir que o critério básico para admissão a concurso seria ser titular de licenciatura em… Ciências da Religião. O Gastão foi o primeiro (aliás, o único) classificado no concurso. Acrescente-se que o Gastão era professor de… Educação Moral.
Era preciso acreditar que a crise moral em que o Brasil estava imerso seria civicamente debelada e que outra educação seria possível. Urgia tomar decisões éticas, porque já o velho Platão nos avisava ser curta a distância entre a corrupção moral e a tirania.
Por: José Pacheco