Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCII)

Serra Negra 26 de julho de 2041

Nos idos de vinte, se um professor me perguntava se, nos processos de aprendizagem, considerávamos o papel da repetição, ou se os nossos alunos deveriam saber a tabuada de cor, eu respondia que sim. Mas, após um processo que ia da gênese do número até à elaboração da tábua de Pitágoras.  

Se me perguntavam como se poderia ensinar um aluno a construir portfólios de avaliação, ou a elaborar roteiros de estudo, eu respondia: 

“Ensinareis a construir portfólios de avaliação e a elaborar roteiros de estudo, dando aula”

Perante a réplica dos professores – Mas, eu poderei continuar a dar aula? – eu acrescentava: 

“Se sabes dar aula com mestria, se és competente a “dar aula”, é isso que terás de continuar a fazer, até que te sintas seguro e disponível para mudar. Não pode ser apenas aula, ou aula de um só assunto. Mas, aquilo que tu sabes fazer, aquilo em que és competente deverá ser valorizado”.

Logo perguntavam:

“Mas, você dá aula?”

Eu respondia:

Não. Mas, poderei ir convosco para a vossa sala de aula” 

Porém, Sêneca nos avisa: “non scholae, sed vitae est docendum”. Não ensinar “para”, mas ensinar “com” – é “na vida” e não “para a vida”. É no hic et nunc da humana existência, que a educação acontece. E raramente acontece em sala de aula. 

Na Ponte, preocupávamo-nos com domínios como o do “currículo oculto”, com o desenvolvimento de processos complexos, com o desenvolvimento do senso crítico, da metacognição, das competências no domínio das novas tecnologias, para que não viessem a ser instrumentos de solidão. Sobretudo, preparando os alunos para um mundo em permanente e vertiginosa transformação, para radicais transformações nas relações humanas e de trabalho. 

Efetivamente, a Ponte operou profundas ruturas paradigmáticas, que operaram profunda transformação cultural, a começar pela dos professores. O projeto da Escola da Ponte continha itens que os estimulam os educadores a desaprenderem e a constituírem em novas bases os seus papéis. 

Vos apresento o que, no projeto da Ponte se requeria de um “orientador educacional”: 

“Supõe-se a necessidade de abandonar criticamente conceitos que o pensamento pedagógico e a práxis da escola tornaram obsoletos, de que é exemplo o conceito de docência e designações (como o de educador de infância ou professor) que expressam mal a natureza e a complexidade das funções reconhecidas aos orientadores educativos. 

Não mais um prático da docência, ou seja, um profissional enredado numa lógica instrutiva centrada em práticas tradicionais de ensino que dirige o acesso dos alunos a um conhecimento codificado e predeterminado”.

Deste modo, os seus professores – ou “orientadores educacionais”, como se chamavam – reagiam:

Quase que poderemos dizer que ser inovador, pode ser sinônimo de exclusão. Nem mesmo na Ponte, se consegue quebrar as barreiras dos modelos instituídos. Mas esse é o caminho que um educador tem de percorrer, se não se conformar com a “norma”. Também nós temos sentido, ao longo da nossa vida profissional, mesmo fora da Ponte, que não somos entendidos e, por isso, excluídos, porque ousamos fazer diferente. 

Na Ponte estas questões vão sendo, de alguma forma, esbatidas na medida em que há uma corrente forte, que anda no sentido dos valores que o projeto defende. Pensamos que isto só é possível quando há uma equipa, ou, pelo menos, quando há professores que no coletivo querem mudar. De outra forma, vamos encontrando D. Quixotes, que vão lutando contra moinhos de vento. Daí que seja preciso acreditar fortemente neste projeto e investir na mudança, coletivamente.

 

Por: José Pacheco

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