Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCLXXIV)

Colmeias, 9 de outubro de 2041

Queridos netos,

“Gamificação” é um estrageirismo com origem anglo-saxonica. O termo Gamification designava a aplicação mecânica de jogos em diversas áreas, como negócios, saúde e vida social. Na educação, como no resto, visava aumentar o engajamento, despertar a curiosidade dos usuários. Constituia-se num excelente dispositivo de aprendizagem, não fora a sua inspiração comportamentalista, talvez no Skinner, ou no Thorndike.. O “behaviorismo” via o ser humano como um organismo governado por estímulos externos. Gimeno Sacristán assim o caraterizava: 

“A educação, e de modo concreto o ensino, transforma-se numa tecnologia que prepara as contingências, as características do contexto e as peculiaridades de cada  situação e regula a administração de reforços”

Aplicava-se o poder do reforço “sobre unidades simples de conduta”. O comportamento era, gradualmente, modelado. A motivação era provocada pela concentração da atenção. As emoções eram consideradas irrelevantes. 

Em escolas norte-americanas eu assistira a aulas “gamificadas”, nas quais a educação era reduzida à ação da tecnologia educacional. Disso não viria mal ao mundo e à educação, se a “gamificação” contribuisse para a humanização do ato de aprender. Mas, apesar do seu enorme potencial, essa prática foi reduzida a aplicativos, convertendo-se em paliativo do instrucionismo. 

Já, aqui, vos falei dos “românticos da educação solitários”. Hoje, vos falarei dos “românticos solidários”. Participavam no mesmo “game” dos. solitários. Mas, se não conseguissem alterar as regras, contrariavam as lógicas e pervertiam os desfechos. Tudo dentro da lei, claro! E fundamentado numa ciência prudente.

Quando, no auge da “gamificação”, o “monstro-burocracia” estava prestes a abocanhar um R.E. solidário, logo surgia outro R.E. solidário, que enfrentava e distraía o monstro, propiciando uma folga ao colega de equipa. Este, rapidamente, recuperava “energia” e regressava à liça, num segundo fôlego, que surpreendia e desgastava o opositor. E assim por diante… 

A cada investida de monstros e génios do mal, os teimosos R.E. solidários reagiam em bloco, quebrando-lhes o ímpeto, repelindo com êxito todos os ataques. Por mais maciços e violentos que fossem os assaltos, o jogo terminava, inexoravelmente, como numa telenovela: os bons ganhavam aos maus. Os R.E. solidários atingiam o derradeiro nível, inacessível aos “bichinhos glutões”. 

O humanista Morus, que havia dito “sou livre, faço o que bem me apetece e quero o que muitos dos grandes deste mundo e os prelados vestidos de púrpura não podem dizer”, acabou perdendo a cabeça, no cadafalço do Henrique. 

Os R.E. amantes dos jogos de computador aperceberam-se de que aos R.E. solidários não bastava sê-lo. Mais do que “românticos marginais” livres, fazendo o que lhes apetecesse, seria preciso que agissem como “românticos conspiradores” e introduzissem o vírus da autonomia no disco rígido. A mudança anunciada emergiu do caos, inesperada, marginal, continuamente reinventada. Os Românticos da Educação movimentavam-se “na contra-mão da História”, aprendiam a surfar o dilúvio de lixo cultural em que a sociedade e a Escola se tinham afundado.

Nos encontros de quarta-feira, a par da fecundação do sistema operada pelos protótipos de comunidade de aprendizagem, os “românticos conspiradores” da educação reinventaram futuros para os filhos dos seus filhos. E para os filhos dos filhos de outros pais, não prescindindo das tecnologias digitais, nem da… gamificação.

 

Por: José Pacheco

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