Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXLIX)

Queimadas, 14 de setembro de 2041

Há, mais ou menos, sessenta anos, escrevi um textinho, que era mais uma overdose de citações. Inconscientemente, ia “parasitando” leituras e me dei conta de que, nesse tempo de teorizações de teorias, o escriba era um replicador. Quem poderia reclamar-se original? Até que, numa “palestra” alguém assim falou:

“Isso é tudo muito bonito, mas é na teoria!”

Expliquei ao meu interlocutor que eu estava a descrever situações da prática, da minha prática. De nada valeu. Apenas nos tornamos incómodos (digo “nós”, porque eu falava por um “coletivo”), porque praticávamos teoria, testando-a.

Acolhi a lição. E, a partir daí, quase deixei de publicar textos com citações, jargão “científico” e notas de pé de página. O primeiro livrinho da nova prática escrita dava pelo nome de “Quando for grande, quero ir à Primavera”. 

“Mal com el-rei, por amor dos homens; mal com os homens, por amor d’el-rei”. Custou caro o atrevimento de publicar narrativas da práxis. A academia me tentou exorcizar, a burocracia me chamou utópico. Mas, não seria o único e tomava asse epíteto como elogio. 

Tão romântico como o Rubem e o Laerte, o vosso avô resistia a convites do fácil, insistia numa alquimia libertadora de afectos, irmanado com educadores sensíveis, que acolhiam a mensagem peregrina do Mestre Freire: 

“A Educação é um acto de amor, por isso, um acto de coragem. Como aprender a debater, com uma educação que impõe?”

Quem nos dera que todas as escolas fossem lugares de fazer, aprender e debater, onde se permanecesse o tempo preciso para realizar o projeto de um sonho. No belo exercício de sensibilidade que dava pelo nome de “Tudo sobre a minha mãe”, um dos personagens assegurava sermos “tão mais autênticos quanto mais nos parecermos com o que sonhamos”. A utopia de Freire projetava-se na sétima das artes. Só não lograva afetar a Pedagogia que, apesar de reconhecida como arte, nunca teve direito a número de série. Ainda que, nos palcos onde o drama educativo se desenrolava, os vulgares atores contracenassem com fugazes personagens, que buscavam a síntese possível entre ciência e arte. 

Nas minhas andanças pelas escolas, encontrava professores alienados por uma formação profissional arcaica, neutralizados por lideranças tóxicas, controlados pelo medo de perder o emprego. O que fazer para que os educadores acordassem para a necessidade de mudança, numa época feita de hedonismo e entretenimento fútil?

Os dados de pesquisas eram construtos teórico-técnicos com poder limitado de indicação. Mas, também, eram referência e sinal de alarme. As séries históricas mostravam a dimensão da crise. Mas, se constituíam num mecanismo utilizado para olhar para trás, inúteis para projetar o futuro – e se exauriram em estudos e teses. 

Quem tentasse fazer alguma correlação com as séries históricas, desde as da década de noventa, chegaria à conclusão de que o mundo precisava de adultos responsáveis, não de otimismo infantilizado. Que a escola e as crianças precisavam de amor pela infância, não de escolas e educadores infantilizados.

Quando achava um professor que ainda não tivesse “morrido”, convidava-o para uma profunda reelaboração da sua cultura pessoal e para a recuperação da dignidade profissional – para ser ético

Nos idos de vinte, agíamos dentro de um princípio pessimista, o da precaução. Mas, também, agíamos esperançosamente. Trabalhávamos na prática, reconhecendo a complexidade dos processos, gradualmente, transformando incertezas em concretizações.

Estou a falar-vos dos protótipos de comunidade de aprendizagem.

 

Por: José Pacheco

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