Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXLVIII)

Bairro Novo, 13 de setembro de 2041

“Amor por princípio, a Ordem por base, o Progresso por finalidade” – eis o lema adotado por Benjamim Constant, o “Fundador da República Brasileira”. Benjamim foi Ministro da Instrução Pública, autor de uma profunda reforma curricular, propôs a descentralização da gestão e uma “formação adequada aos novos tempos” – aos “novos” velhos tempos em que se contemplou numa bandeira a “base” e a “finalidade”, mas se enjeitou o “princípio”. 

Apesar de ter sido militar e condecorado como combatente na Guerra do Paraguai, Benjamim era um pacifista, assumia o princípio de que se deve “Viver para Outrem”. E, ao participar no movimento pela Proclamação da República e na elaboração da Constituição de 1891, pugnava por que a palavra Amor estivesse presente em todas as citações do lema positivista. 

Tal como o Benjamim de há mais de cem anos, sabemos que as pessoas deverão amorosamente colaborar com pessoas, sem com elas competir. Sabemos que escolas são pessoas e que as pessoas são os seus valores. Nos últimos cinquenta anos, milhares de vezes orientei a construção de “árvores dos valores”. Cada participante nessa dinâmica de grupo indicava o valor essencial das suas vidas. E o “tronco” da “árvore”, o valor mais vezes referido sempre foi o… Amor. 

Numa tese sobre a Escola da Ponte, encontrei a descrição de um episódio, que transcrevo. Nos idos de oitenta, o “Tribunal” julgava alunos, cujos nomes surgissem em grande quantidade no dispositivo “Acho Ruim”. Na proto-história da humanidade, em que os homens ainda precisavam de tribunais, de prisões e de guerras, as crianças os imitavam. Até ao dia em que uma menina de seis anos de idade, advogada de defesa de um colega, assim falou numa sessão do “tribunal”:

“Vós não ouvis “amai-vos uns aos outros”? Eu escutei o advogado de ataque dizer que o Marco cospe nos colegas, que lhes atira pedras, que o Marco é mau. Mas o Marco não precisa que digam que é mau. Ele precisa de quem o ajude a ser bom. Algum de nós já ajudou o Marco a ser bom?”

E continuou: 

Estou nesta escola há um ano e só ouço falar de castigos. Proponho que se acabe com o tribunal e se crie comissões de ajuda”.

Assim ficou decidido, na assembleia seguinte. E, sempre que o Marco tendia para fazer besteira, logo um círculo humano o rodeava, dizendo: 

Somos a comissão de ajuda. Estamos aqui para te ajudar. Nós sabemos que tu és bom. Nós somos teus amigos!”

O “mandamento novo” se cumpriu. A amorosa inteligência prática das crianças dispensou a imposição de mais regras, de reprimir, de punir. 

A aprendizagem acontece, se tecemos vínculos afetivos – se eu existo é porque o outro existe. O ser humano não é apenas um ser de contato – é um ser em relação – e a educação é um ato de amor. Mas, nos idos de vinte, continuávamos insensíveis aos apelos de Freire e do “poetinha”: “ponha um pouco de amor na sua vida”. Nos arquipélagos de solidões em que as nossas escolas se transformaram, “inauguraram o desamor, não os desamados, mas os que não amavam, porque apenas se amavam”.

Ordem sem amor é violência, porque “o adestramento não define a educação e uma educação amorosa é incompatível com a organização autoritária da vida”. Progresso sem amor é deterioração da relação, desumanização. Nos idos de vinte, vimos no que deu… 

Ordem e Progresso, sem Amor? Na sociedade doente em que vivíamos, prevalecia a cultura do ódio. Imaginai o que seria um país, se a palavra Amor não fosse ostracizada, mas vivificada. Se um hino nos dizia que “um raio vívido de Amor e de esperança à terra desce”, por que terá sido amputado o lema positivista inscrito na bandeira do Brasil?

 

Por: José Pacheco

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