Lorena, 13 de julho de 2041
O Brasil dos idos de vinte fez uma leitura errada da proposta de Illich. A “desescolarizacão” que ele propunha chegou num tempo em que movimentos “alternativos” procuravam espaços “alternativos” e famílias “alternativas” buscavam proteger os seus filhos da nefasta influência da escola instrucionista, quer fosse pública, quer fosse privada.
Havia gente que não se contentava com montessorianas, ou waldorfianas escolas. Havia quem migrasse para o mato, em versões “hippies”, neo-libertárias, aderentes a tradições espirituais oriundas do Oriente, ou simplesmente “marginais ao sistema”.
Assisti, acompanhei e até ajudei a criar algumas dessas “comunidades”. Admirava o idealismo posto na decisão de se automarginalizarem. Mas, convida-os a se abrirem à conciliação da sua legítima atitude com a necessidade de não “acabar com a escola”.
Netos queridos, vos explicarei o porquê do meu afã. Eu fora professor de escola pública por mais de meio século. E pensava ter entendido a mensagem de Ivan Illich. Ele não pretendia acabar com a escola, mas desescolarizar a sociedade.
Não se trataria de deslocar a atividade escolar para outros espaços, escolarizando ainda mais a família e a sociedade, mas de desenvolver a percepção dos territórios como elementos educadores, por meio dos quais se aprendesse participando de transformações pessoais e sociais.
Por que não se prestava maior atenção à intervenção no pré-natal e nos cuidados até aos quatro anos de idade, na partilha da responsabilidade de educar, nomeadamente na interação com a área da saúde e no convívio das crianças dos jardins de infância com os avós? Por que não considerar as escolas como espaços públicos, nodos de redes comunitárias, devolvendo as escolas às comunidades?
Buber dizia-nos que existia uma constante renovação entre o real e a representação do real, que fazia com que o elo fundante de uma comunidade estivesse para além do campo dos dogmas e das regras. Buber falava de uma “lei intrínseca da vida”, de um processo criativo, em permanente fase instituinte, que respeitava as tensões entre subjetividades.
A escola com projeto poderia ser espaço e tempo de construção de comunidades. Um projeto humano seria sempre um projeto coletivo, numa escola que agisse como um dos nodos de uma rede, possibilitando a partilha de conhecimento real ou virtual, redesenhando mapas e trajetos da aprendizagem.
No julho de há vinte anos, fui com a Fabi até à “Ser Stella”. Depois de a Giovana me apresentar a horta, nos apresentamos num círculo de amena conversa.
Com a Maria, a Helena, a Daniela, a Juliana, o Amaral, aprendi a saber cuidar. Voltava a Lorena, após longa ausência. Projetos dispersos abriam caminhos para uma educação integral, aquela que contemplava o domínio intelectual, mas também o afetivo, o emocional, o ético, o estético. Ali, respirava-se amorosidade, pois, como dissera o Pássaro Encantado, quando se falava com amor, cada palavra que se dizia era uma revelação daquele que falava. Ali se sentia a suave presença do Mestre Morin:
“O amor faz parte da poesia da Vida. A poesia faz parte do Amor da Vida. Se o amor expressa o ápice supremo da sabedoria e da loucura, é preciso assumir o amor. Se a poesia transcende sabedoria e loucura, é necessário aspirarmos a viver o estado poético e assim evitar que o estado prosaico engula nossas vidas”.
E o que andava a fazer este português, fora de casa? A causa da contínua peregrinação se mantinha, mas era chegado o tempo de viajar por dentro. O amor se transmutara em coragem. O tempo do ódio chegara ao fim.
Por: José Pacheco