Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXXXIX)

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Oeiras, 23 de maio de 2041

No mês de maio do distante 2021, a equipe do Sporting ganhou o campeonato de futebol português. Foi motivo de festa, de legítimo regozijo de adeptos que esperaram dezenove anos pelo título. Mas, a festa ficou manchada por confrontos provocados por jovens bonsais humanos, que provocaram grandes aglomerações. Recém-saídos das escolas, agiam como vândalos. Nas ruas e praças da cidade, agrediram policiais, semearam lixo.

A minha amiga Tina comentava:

“Em que ponto perdemos a nossa empatia e sensibilidade pelo sofrimento do outro? É preciso resgatar a nossa humanidade, inclusive, nas escolas. A pandemia está causando muito sofrimento emocional em todos. Planejar uma retomada presencial das escolas, repleta de aulas de reforço, muito conteúdo, provas diagnósticas, entre outros dispositivos da velha educação instrucionista, será uma adição absurda de angústia nas crianças, que estão em sofrimento emocional”.

Anos antes, o amigo Rui Canário nos dissera que atingíramos o extremo da sofisticação tecnológica e do discurso pedagógico. E, ao mesmo tempo, vivíamos na imaturidade política e social. A escola portuguesa dos idos de vinte era uma mentira construída sobre milhões de euros. O Rui apontava como causa do descalabro um modelo escolar, produtor de imaturos políticos e sociais. A escola era um espaço de alienação. Disciplinava o corpo no aprender parado.

Quanto mais abstrato, mais o pretenso saber era considerado. Mas era teoricismo afastado da vida, distante dos processos sociais. Era a perfeita tradução do desrespeito da nossa humanidade. Era verbalismo. Não era teoria, nem comunicação. O problema da reprodução do modelo instrucionista não era um problema da escola – era um problema da comunidade.

Nesse tempo, apesar de ainda não ser o velho que, hoje, eu sou, já era incômodo, insuportável, pois interrogava os teoricistas. Aqui vos deixo mais algumas perguntas, entre aquelas que, nesse tempo, eu lhes dirigia.

Por que escrevem livros sobre o paradigma da comunicação e trabalham segundo o paradigma da instrução? Por que dizem que o centro deve ser o aluno, se dão aula centrada no professor? Por que há “ano de escolaridade”, classes de recuperação e de aceleração, e escolas de segunda oportunidade? Por quê aula de 50 minutos? E conteúdo por semestre, ou por trimestre? Para qual aluno? Por que são constituídas turmas por escalão etário? Por que há turmas? Por que será que crianças de tenra idade não param de fazer perguntas e, quando chegam a adultos, já não sabem perguntar? Por que se institui “um horário semanal de educação para a cidadania”? Não deverão ser as restantes horas de “educação na cidadania”? Acontecerá aprendizagem, quando não são constituídos vínculos afetivos, emocionais, estéticos, éticos? Se tivemos um professor de quem não gostamos, por que nada aprendemos nessa disciplina? Por que perdem os professores tanto tempo a aplicar e a corrigir exames e outros testes, que pouco avaliam? Por que desperdiçam tão precioso tempo no adestramento dos alunos em treinamento de provas, que nada provam? Por que se despende tanto tempo em obsoletos rituais de classificação (confundida com avaliação), se não existe nas escolas uma cultura de avaliação, que permita obter indicadores seguros de aprendizagem? Por que se continua a “dar aula”?

A resposta era o silêncio e o ostracismo.

Alain Tourraine lançara um alerta:

“Ou a crise acelera a formação de uma nova sociedade, ou vira um tsunami que poderá arrasar tudo pela frente, pondo em perigo a nossa própria existência no planeta”.

Por: José Pacheco

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