Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (LXXXVII)

ECOHABITARE I PUBLICAÇÕES (31)

Sacramento, 2 de maio de 2040

O vírus tinha chegado antes do outono brasileiro e atravessava o tempo da “colheita” (do etrusco “autumnus”), o tempo de fazer a limpeza da alma. No começo de maio, os jovens continuavam a ser “ensinados” por controle remoto, enquanto Andreas Schleicher, o principal responsável do relatório PISA da OCDE, reconhecia a falência da ensinagem e declarava: Os professores terão que mudar seu jeito de ensinar depois da quarentena.

Em Portugal, um tempo primaveril se anunciava, após um rigoroso inverno. No hemisfério norte, como no sul, vivia-se o inverno do nosso descontentamento. As ruas vazias, as lojas fechadas, falta de espaço nos hospitais e cemitérios. Os dias passavam iguais aos dias que iam distantes. Reconhecíamos que não estávamos preparados para conviver com o vírus, porque não tínhamos aprendido a… conviver. Mas, reaprendíamos a solidariedade, reinventávamos a vida, cantando na varanda.

Em maio, no facebook, a minha amiga Dora Incontri evocou a obra de Eurípedes Barsanulfo, o sábio de Sacramento, uma das cinquenta milhões de vítimas da gripe espanhola. Sempre que entrava no Colégio Alan Kardec, sentia (a palavra justa é essa) o que andei sentindo em muitos lugares de um Brasil. O país do Lauro, da Nise, do Anísio, da Nilde, do Freire, viria a ser a minha mátria da educação. Na minha pátria desse mês de maio, nasciam flores primaveris. Na minha mátria brasileira, colhíamos frutos outonais, núcleos de projeto rompiam bloqueios e armadilhas, para mostrar que a melhor educação do mundo estava no Brasil.

Professores conscientes da falência do modelo de ensinagem se organizaram, emergiram da lama da velha escola, para se oferecerem à árdua tarefa de a todos garantir o direito à educação. Os núcleos surgiram para realizar o inadiável re-ligare da família com a sociedade e a escola, em conformidade com o disposto no mesmo artigo da Constituição: a educação é dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa. Guiados pela amorosidade, pelo respeito e responsabilidade social, evoluíam numa educação que contemplava a multidimensionalidade do ser humano. Sem menosprezar o domínio da cognição, nos núcleos de projeto se educava nas dimensões do afeto, da emoção, da ética, da estética, do espiritual…

Em exercícios de resiliência, professores, pais, educadores, vizinhos fundaram o seu afã no cumprimento da lei e numa ciência prudente. Assim como se aperceberam da relevância de um ministério da saúde gerir a crise do vírus corona através de uma abordagem científica, regiam o exercício da profissão de educador pelo bom senso e pelas contribuições das ciências da educação.

A escola da aula carecia de sentido, fora produto de necessidades sociais de estados-nação do século XIX. Era desprovida de bom senso e de suporte científico. Nem as propostas escolanovistas do início do século XX tinham sido assimiladas. Os professores padeciam de baixa autoestima e desconheciam o extraordinário legado de insignes educadores brasileiros. A sociedade sofria da “síndrome do vira-lata” e buscava lá fora o que já tinha cá dentro… enquanto uma nova educação se manifestava entre os escombros da velha escola. Discretamente, como é caraterístico das grandes realizações humanas.

E tudo havia começado (ou recomeçado?) nos idos de 2004, como vos irei contar.

Por: José Pacheco

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