Novas Histórias dos Tempos da Velha Escola (LXIV)

ECOHABITARE I PUBLICAÇÕES (11)

Recanto das Emas, 09 de abril de 2040

No primeiro dia de abril, mais de dez mil pessoas morreram na Espanha, vítimas do vírus. No sexto dia desse mês, a China não registrou qualquer morte por COVID-19. No Brasil, ia sendo atingido o pico da pandemia. Estas são anotações contidas nuns cadernos, que ciosamente guardei no armário das velharias – estou velho e tenho por hábito guardar papéis.

O caderno número 5 – eu era bem metódico, como vedes… – contém registro de ocorrências desse mês e respetivas observações e inferências. Estão redigidos numa linguagem pouco adequada às finalidades destas carinhas. E, dado que nem todos os leitores estão familiarizados com os saberes das ciências da educação, recorrerei, em breves linhas, a metáforas inspiradas no COVID-19. Creio que, assim, talvez nos entendamos. Metaforizemos…

Também eu, de tenra idade, fui vítima do “vírus da ensinagem” (o designarei por inen-1900). Esse vírus havia surgido na Prússia militar do século XIX, na França dos conventos e casernas, e na Inglaterra da primeira revolução industrial, nas usinas da produção em série.

A epidemia alastraria pelo mundo e chegaria à América do Sul, trazida por um senhor chamado Lancaster, a convite de Simon Bolívar. E penetrou no Brasil, no tempo Imperador. Por aqui ficou, até hoje, contribuindo para reproduzir um sistema escolar e social iníquo.

O inen-1900 foi responsável por inúmeras catástrofes e flagelos. A escola da ensinagem engendrou degradação ambiental e guerras sem fim. Nas salas de aula, por onde passei, todos fomos infetados por esse vírus, através da fala do professor, quando nos encontrávamos a menos de dois metros dele. E pelos espirros pedagógicos do professor, quando a menos de seis metros de distância.

Outros professores me ajudaram na cura. Um padre e uma professora de francês me ajudaram a contrair o “vírus da mudança” (o muvi-68). Duas professoras da Escola da Ponte me inocularam o “vírus da aprendizagem” (o apvi-76). Professores, famílias e comunidades brasileiras me ajudaram a contrair o “vírus da inovação”. Metaforicamente o chamei de invi-20, pois se tratava de uma mutação benigna do vírus da ensinagem.

Por que foi o vosso avô procurar os cadernos? – perguntareis. Para que a memória não me traísse. Na página do dia 8 do quinto caderno, está escrito que a Cláudia utilizou o WhatsApp – lembrais-vos desse software? – para convidar o “Grupo de Trabalho das Comunidades de Aprendizagem” para um encontro virtual. Era nossa intenção partilhar a reflexão sobre a iniciativa da secretaria de educação “Escola em Casa”. E ver de que modo poderíamos auxiliar a secretaria a garantir que os jovens aprendessem, enquanto o isolamento social durasse.

O GT das comunidades tinha sido criado pela secretaria de educação. A origem do projeto remontava a 2015, quando a secretaria de educação nos pediu – a mim e à Cláudia – para criar duas comunidades de aprendizagem: uma na regional do Paranoá, outra na de São Sebastião. Isso fizemos, gastando muito tempo, muita paciência e muito dinheiro. Foi trabalho voluntário e não recebemos sequer um real da secretaria.

Em outra carta, vos direi o que sucedeu, após o fraterno convite enviado pela Cláudia.  Também vos falarei desse projeto e de como a corrupção intelectual e moral se tinha instalado no sistema educacional da ensinagem. Preciso contar-vos e com precisão, tudo o que aconteceu nesse distante mês de abril. O registro destas memórias poderá evitar que tempos sombrios regressem.

Por: José Pacheco

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