O DNA da EcoHabitare

Vou contar uma estória …

A EcoHabitare começou em 1910 com o nascimento da minha avó, Maria José Cavalcanti de Mello. Marieta para os íntimos. Filha de Maria Joana Cavalcanti e José Pedro de Mello, Marieta aprendeu a ler e a escrever em casa sob a orientação dos meus bisavôs. Ela morava numa fazenda em Macaé, no estado do Rio de Janeiro e cresceu no campo, em contato com a natureza.

Quando eu era criança, vovó contava que até os quatro anos de idade, mamava na teta da sua cabra. E sempre atenta as questões sociais da época, se incomodava em ver os filhos dos colonos analfabetos.

Quando adolescente, montada a cavalo, angariava crianças das fazendas vizinhas para alfabetizá-las, até que a comadre Luísa lhe cedeu uma pequena choupana para que pudesse reunir as crianças. E foi assim que minha avó começou sua vida de professora.

Na “escola” não havia série, nem turmas. As crianças aprendiam juntas, sob sua orientação e cuidado. E naquela época, era comum o uso da palmatória – recurso que nunca usou no seu ensinar.

Quando adulta, casou com meu avô Raimundo. Por ele ser negro, minha avó teve que superar o preconceito da família e foi morar em Salvador, na Bahia, terra do meu avô.

Depois de algum tempo, já na época da Guerra, ela voltou ao Rio de Janeiro e fez a viagem de navio pela foz do Rio São Francisco. Em decorrência da longa viagem, sua filha Rosa Maria, de 4 meses, veio a falecer poucos dias depois de chegar.

No Rio, morou em vários bairros do subúrbio. Se fixou em Parada de Lucas, onde meu avô comprou um botequim. E para melhorar a qualidade de vida das filhas, Maria da Penha – minha mãe – e Célia – minha tia – resolveu voltar a lecionar.

À época, a mulher só podia trabalhar com a autorização do marido. Esperta como sempre foi, vovó “deu uma volta” no meu avô para que ele assinasse a autorização que permitiria que ela fizesse a prova de readmissão como professora do antigo Estado da Guanabara.

Vovó foi trabalhar como alfabetizadora numa colônia de Japoneses, próxima a Universidade Rural do Rio de Janeiro. E sempre se orgulhou de alfabetizar crianças japonesas.

Depois disso, foi trabalhar em Imbariê, na Baixada Fluminense, onde começou a promover uma educação diferente…

Ela contava que como a escola era muito pobre – e as crianças mais ainda, mobilizou os comerciantes locais para que eles colaborassem com o que pudessem para que as crianças tivessem lanche na escola.

Incansável em possibilitar melhores condições para “suas crianças”, não se furtava em ir inúmeras vezes à Secretaria de Educação para conseguir uniformes e merenda escolar – algo raro naquele tempo. Ao se tornar diretora do grupo escolar, fez da escola “caindo aos pedaços”, uma referência na região. Era uma pessoinha de um metro e meio respeitada por toda a comunidade.

Marieta nunca fez magistério, teve malária várias vezes e nunca abandonou sua missão de vida. Era uma educadora de corpo e alma e por reconhecimento da sua dedicação e amor pela educação, recebeu do Governador do Estado da Guanabara, o título de professora honoris causa. Falar da minha avó me dá muito orgulho. Tenho certeza que existem muitas histórias iguais a essas, mas que ninguém conhece. Histórias esquecidas nos escaninhos do tempo.

Resolvi contar a história da Marieta  porque vovó sempre foi minha grande referência de vida. Exemplo de mulher guerreira, educadora incansável, que fez germinar em mim, o amor pela educação, pela justiça social e pelas causas ambientais. Por meio dela, presto homenagem a todas as educadoras que andam por este Brasil há anos lutando por uma educação de qualidade e que nunca foram honradas.

E foi dessa história de vida que nasceu a EcoHabitare.

Por: Cláudia Passos

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