Por José Pacheco
Em finais de século XX, fui relator do parecer do Conselho Nacional de Educação sobre uma proposta de reorganização curricular, num processo semelhante aquele por que passaram os autores da proposta de BNCC brasileira. Porque me apercebi de que não se tratava de assunto sério, também eu recorri à ironia, para compensar os efeitos do corporativismo e da baixa política refletidos no documento final.
Perguntava se teria havido um exercício de futurologia por parte de quem acreditava na pertinência dos conteúdos selecionados, quando os alunos de então virassem adultos. Conteúdos como “mesóclises, dígrafos e piroclásticas” deveriam fazer parte da “base” curricular? E questionava: Por que se remete para uma aula semanal de educação cívica o domínio sócio moral, o sócio emocional? Cadê o que está para além do cognitivo: a ética, a estética…? Porquê referir no corpo do normativo arcaísmos como “anos iniciais e anos finais”, “salas de aula” etc. Ninguém respondeu. A lei foi aprovada. Decorridos alguns anos, foi revogada, para dar origem a outra excrescência normativa.
Há quase sessenta anos, perguntei ao professor Vasconcelos por que razão eu tinha de aprender certos conteúdos, que esforçadamente ele tentava ensinar. Autoritário, como era apanágio de uma época de ditadura, respondeu: Quando fores grande, irás precisar…
Sou “grande” e quase nada desse “currículo” me fez falta. Não me fez mais sábio, nem mais feliz. Há sessenta anos, o professor Vasconcelos – que descanse em paz e que Deus lhe perdoe a ingenuidade pedagógica – acreditou ter me ensinado o “sistema galaico-duriense”. Mas a minha criança apenas havia feito decoreba sem sentido: Peneda, Suajo, Gerês, Larouco, Barroso, Falperra, Cabreira, Marão, Padrela, Montezinho, Nogueira, Bornes… e por aí fora, numa lengalenga sem sentido, como tantas outras associadas a conteúdos da grade curricular da época, decorados e debitados em prova. Depois, esquecidos ou guardados na memória de longo prazo.
Quando, já nos meus cinquenta anos, eu viajava por Trás-os Montes, avistei uma bela montanha e perguntei: Que montanha é aquela?
Responderam: É a Serra do Larouco.
A palavra Larouco ressoou na minha memória de longo prazo. Finalmente! Peneda, Suajo, Gerês… Larouco! Mas nada sabia do Larouco, nem do povo que lá morava, nem da sua cultura, nem das suas necessidades sociais, nem nada! Apenas “sabia” uma palavra: Larouco.