Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXVI)

Bertioga, 10 de julho de 2041

Quando, em Mogi, se iniciou o projeto de criação de protótipos de comunidade de aprendizagem, a educação passou a acontecer em espaços de cultura, ciência e arte, na consideração de que todo o conhecimento (erudito, ou popular) era válido e de que os saberes não eram propriedade individual, ou de exclusiva produção numa escola-edifício.

Era valorizada a integração comunitária da escola, entendida esta como nodo de uma rede de aprendizagem propiciadora de desenvolvimento local, espaço em que se fomentava a liberdade de pensamento e de expressão, onde todos eram estimulados para a descoberta, para o questionamento e a resolução de problemas, onde o sucesso de cada um era reflexo do sucesso de todos.

Era incentivada a participação das comunidades nos órgãos de direção das escolas e na gestão de projetos, nomeadamente, através de mapeamentos de lugares e pessoas com potencial educativo.

Desenterrei memórias das aprendizagens feitas em Mogi. Entre elas avulta a passagem por caminhos dos limites de Mogi e Bertioga. Lembro-me de ter visitado um santuário, que dava pelo nome de “ecofuturo”. Lembro-me de ter compreendido a metáfora da samambaia e de o amigo Wander responder a perguntas com a sugestão de fazermos silêncio. Momento único, sublime, de plena comunhão.

Dali, fomos para uma escola ambiental, meter conversa com professoras de escolas rurais. Por muito me terem ensinado, elas serão merecedoras de uma cartinha inteira. Por agora, apenas reflexões avulsas sobre o tempo em que Mogi decidiu mudar. 

Nesse tempo, calhou de eu coordenar uma pesquisa sobre indicadores de boa qualidade da educação. Partilho convosco algumas das conclusões, pois me pedistes que o fizesse, apesar de não entender por que vos interessa tal assunto. Cá vai…

Nessa pesquisa, ficou evidenciada a impossibilidade de se promover educação integral, sendo referida a dificuldade do professor na relação interpessoal e a falta de uma formação adequada para lidar com conflitos. E, sem surpresa, constatei que a maioria dos professores nunca lera o seu projeto político-pedagógico. 

Me disseram desconhecer o teor de tal documento. E aqueles que disseram tê-lo lido “já não se lembravam do que nele dizia”. Mais de oitenta por cento dos professores não souberam dizer qual era a matriz axiológica do projeto, ou o que ele propunha como critérios de avaliação. E não eram claros os processos utilizados e os resultados obtidos, que subsidiassem a melhoria da qualidade das práticas.

Ficou evidente que a falta de autonomia financeira e administrativa, bem como a prevalência de procedimentos burocráticos, consumiam tempo em demasia, sendo limitadora do bom desenvolvimento dos projetos. Questionados sobre a possibilidade de se assumirem em autonomia, todos os professores inquiridos manifestaram desconhecimento da lei e dos procedimentos que possibilitariam a celebração de um “termo”. 

Havia escolas em processo de reformulação dos seus projetos, mas os encarregados da revisão não souberam dizer quais eram as suas finalidades e objetivos. Os PP-P faziam referência a valores como: autonomia, responsabilidade, solidariedade, respeito. Mas não foram identificadas quaisquer atividades, metodologias, ou dispositivos de prática de tais valores. Aliás, foram observadas práticas contraditórias com a matriz axiológica dos projetos. 

A precária situação que vos descrevo modificou-se, substancialmente, na década de vinte, em Mogi e em outros lugares, quando uma educação de novos tempos emergiu de tempos sombrios.

 

Por: José Pacheco

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *