Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXVII)

Arujá, 11 de agosto de 2041

No agosto de há vinte anos, chegavam-nos reações aos encontros nas escolas de Mogi. Eram mensagens-testemunhos de educadores generosos e éticos. Aqui vos deixo, um exemplo.

“Aqui é a professora Beatriz. Será que posso te contar uma pequena experiência que tive essa semana? 

Depois da roda de conversa, que tivemos com o professor Pacheco, eu não consegui mais olhar os meus alunos com os mesmos olhos, não consegui olhar o meu tempo com eles da mesma forma, então decidi mudar um pouquinho. 

Perguntei a um grupo de seis alunos o que gostariam de aprender, e eles tiveram uma reação muito interessante, ficaram surpreendidos. Aos poucos, uma aluna se soltou e disse que gostaria de entender melhor a vida do coelho. Uma outra disse que também gostaria de entender isso. Elas mesmas disseram:

Podemos estudar juntas?

Aconteceu o mesmo com outros alunos, com temas como espaço e futebol. 

Organizamos em uma folha as dúvidas que tinham e combinamos de usarmos a sala de informática para nos ajudar. No dia seguinte, a primeira coisa que eles falaram foi: 

Quando vamos estudar na sala de informática?

Na sala de informática, outra surpresa me esperava. Eles se organizaram e começaram a pesquisa sem precisar de muitas ajudas. Tenho três alunos que não gostam de ler e que passaram uma hora fazendo leitura e anotando as informações mais importantes.

Depois de encerrado o tempo que tínhamos naquele espaço, eles pediram para compartilhar o que descobriram. Fizemos a roda de conversa e eles compartilharam. Os outros grupos levantaram novas questões sobre os temas e combinamos de pesquisar mais. 

Ontem, nosso último dia de aula presencial da semana, eles sugeriram que, no tempo que estivessem em casa, iriam pesquisar mais e preparar uma apresentação, que fariam quando retornassem.

Fiquei imensamente feliz e, também, surpreendida com a empolgação que ficaram. Hoje, recebi algumas mensagens de algumas mães dizendo que os alunos estão animados e chamando-as para participar desse projeto, que criaram. 

Sei que isso foi 1% do que ainda temos para fazer na nossa escola, mas sinto que teremos muito sucesso”.

Enquanto isso, no município vizinho, em Arujá, o meu amigo Marcos porfiava para que a secretaria de educação acordasse para a necessidade urgente de seguir o exemplo de Mogi. Muito aprendi com esse extraordinário ser humano. Dele colhi ensinamento em Maracajaú e outros lugares para onde a sua generosidade o levara. 

O exemplo do Marcos, da Tina e de outros companheiros de jornada foram para mim referência de uma nova visão de mundo e de lealdade a princípios. Quando o dom do desapego me permitiu passar da ribalta para os bastidores da mudança, foram eles que asseguraram a continuidade dos projetos. Foram eles os obreiros de uma nova educação.

No Rio Grande do Sul, a minha amiga Jaqueline não se cansava de zurzir naqueles que, através de “malabarismos pedagógicos e invencionices curriculares”, perenizavam um modelo educacional causador de desigualdade:

“A pobreza e a miséria em que vivem milhares de crianças no RS e no BRASIL, antes e durante a pandemia, são diretamente responsáveis pelas descontinuidades, reprovações, evasões que vivem ao longo da sua vida escolar. Fôssemos uma sociedade equilibrada, as cenas de desalento, mostradas hoje na Tv local, não existiriam. Frio no inverno, calor excessivo no verão, poeira e barro, fome, falta do que é básico: banho, roupa e cama decentes, três refeições diárias, determinam, sim, trajetórias precárias na escola e na vida. Não existe pedagogia salvacionista. Quem vende isto mente”.

 

Por: José Pacheco

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