Tavira, agosto de 2039
Netos queridos,
Pretendo falar-vos de tempos velhos, para que não se apaguem da memória dos homens. Falar-vos-ei dos conturbados tempos vividos num Brasil doente, que o meu amigo Joelmir assim descrevia, nos idos de 2019: Vivemos o vazio deixado pelo apodrecimento do velho paradigma – que já não nos serve, não por ser velho, mas por negar violentamente a vida humana e não humana – e o parto inconcluso de um novo paradigma, em andamento, que nos permitirá vencer o medo e reaprender a amar. Em outras palavras, vivemos tempos de desesperança e medo, porque o contrário do amor não é o ódio, mas o medo. O ódio é, tão somente, reflexo, decorrência do medo. A questão central aqui é: chegamos a um nível tal de adoecimento [individual e coletivo] e de imperativo da cultura do medo, que nosso maior desafio no século XXI passou a ser reaprender a amar. E eu me perguntava: Qual será a nossa quota parte de responsabilidade? Como teríamos contribuído para esses tempos de desesperança e medo?
O meu amigo Rui Canário dizia-nos que, quando analisávamos o mundo em que vivíamos, quando assistíamos à degradação do ambiente natural e das relações humanas, raramente nos apercebíamos de que tais fenômenos eram consequências de uma determinada escolarização da sociedade. E de que seria necessária e urgente uma nova escola, para um novo mundo.
Nesse tempo, o paradigma da comunicação emergia, mas as escolas a ele se mantinham alheias. A universidade ainda sobrevivia na ilusão da ensinagem, desconhecendo que não se aprende o que o outro diz, mas que se aprende o outro. Sucediam-se as teses sobre o paradigma da comunicação. Paradoxalmente, os seus autores continuavam dando aula, reproduzindo práticas fósseis, incompatíveis com o paradigma que, teoricamente, adotaram.
A quase totalidade das escolas radicava as suas práticas no paradigma da instrução. Já vivíamos num tempo de sociedade em rede, mas a análise social mantinha-se cativa de raciocínios lineares. Até à Terceira Revolução Industrial, dispunhamos de sequências lógicas. Depois, sobreveio o simultâneo, a sobreposição. Na era da pós-verdade, através das redes sociais, assistíamos a um sutil processo de desumanização. Pejadas de comentários abjetos, acentuavam a degradação moral e ética. Nunca de tantos instrumentos de comunicação nós dispunhamos e nunca tão solitários nos sentíamos.
Um dos desafios da escola era o de tentar compreender as origens e suster o suicídio infantil e juvenil. No Brasil havia aumentado 40% em 10 anos. O suicídio era a segunda razão de morte de jovens no mundo. Em países dos primeiros lugares do PISA, eram frequentes os suicídios e a auto-mutilação. Muitos jovens perderam a vida em ataques a escolas, em Susano, no Realengo… Adultos encharcavam-se em medicamentos, crianças se lobotomizavam com Ritalina. O humano estava em crise.
Mudanças operadas no tecido social provocavam uma sutil inversão de valores, enquanto as escolas se enfeitavam de computadores e de pseudo-inovações. Mas, no Portugal contemporâneo desse trágico Brasil, um amigo de nome João fazia milagres. Na escola do vosso pai, na do António e em muitas outras, professores competentes decidim ser éticos. E uma nova Educação nascia…
Disso vos falarei em próxima carta.
Com amor,
O vosso avô José
Por: José Pacheco