Estórias da Velha Escola (XXXV)

Santa Cruz do Capibaribe, dezembro de 2039

Por volta do Natal de há vinte anos, uma palavra se apropriou de considerável espaço nas redes sociais: a palavra “energúmeno”. “Energúmeno” é um termo de vasto espectro semântico. Daí que, cumprindo o prometido em cartas anteriores, vos fale do uso e abuso dessa palavra, nesses conturbados tempos.

Nesse dezembro, a Lei de Diretrizes e Bases completava vinte e nove invernos de descontentamento, porque o IDEB não deslanchava e o índice de proficiência em Língua portuguesa e matemática estacionava em miseráveis percentuais. O Brasil ocupava os últimos lugares do PISA (para que saibam, era uma avaliação internacional, que, supostamente, media o nível educacional de jovens de 15 anos, através da aplicação de provas de Leitura, Matemática e Ciências). Dado que a culpa não morre solteira, os políticos enjeitavam responsabilidades, ignorando serem, também, responsáveis pelo fraco desempenho dos jovens. Isso mesmo: agiam na ignorância da sua ignorância. E ignorância é uma das acepções da palavra energúmeno.

O dicionário nos dizia que esse vocábulo também designava o insensato, aquele agia de modo inconsequente, pessoa irresponsável, de difícil entendimento. Sem consciência das maldades que arquitetava, o insensato criticava aquilo que era incapaz de compreender e ofendia a memória de eminentes educadores. No hodierno mundo de há vinte anos, vivíamos convulsões sociais e políticas, clivagens se agravavam. Urgia que os brasileiros secassem as mágoas, se escutassem e se unissem numa causa comum: a da Educação.

Porém, aqueles que detinham o poder percorriam os velhos caminhos modernos, como lembrava Maffesoli, no Natal de há vinte anos. A gíria brasileira, pródiga em sugerir imagens, assim descrevia a sua desastrosa ação: continuavam a agir como cegos no meio de um tiroteio. Felizmente, decorridas duas décadas, o racionalismo e o individualismo deram lugar à emoção e ao coletivo. E essas nocivas criaturas cederam o lugar a uma nova geração de políticos, gente esclarecida e efetivamente democrática.

Se a língua portuguesa é rica em sinónimos, ela também pode ser, por vezes… traiçoeira. Nesses sombrios tempos de há vinte, ou trinta anos, um candidato a prefeito dirigiu-se aos seus eleitores nos seguintes termos: Com a minha fé e as fezes de vocês, vou ganhar a eleição. Este político era ignorante das regras de formação do plural das palavras, mas escasso dano causava à nação.  Bem mais gravosos eram os atos dos bons faladores e perfeitos conhecedores da gramática, que usavam da verve para caluniar e manipular.

Apercebia-me de que muitos dos energúmenos não sabiam que o eram. E, só por isso, eram merecedores de compaixão. Nas minhas orações não me esquecia de rogar Àquele que está acima de tudo e de todos, que lhes perdoasse, porque eles não sabiam por que faziam o que faziam.

Queridos netos, acolhei os meus votos de um feliz Natal e de que 2040 seja para vós um ano benfazejo. Votos extensivos aos energúmenos, que ainda houver por aí, pois também são criaturas de Deus. In illo tempore, eu acreditava que, além de serem criação divina, eles passariam à condição de filhos de Deus, quando nascessem de novo, quando tomassem consciência e se arrependessem dos seus pecados – conforme Gálatas, capítulo 3, versículo 26: sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. E foi isso que aconteceu. Disso vos falarei na próxima carta.

Com Amor, o vosso avô José.

Por: José Pacheco

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