Estórias da Velha Escola (XLII)

Tondela, janeiro de 2040

Num facebook de janeiro de 2020, li a notícia da realização de um seminário: Desafios para uma educação de futuro. Um dos painéis tinha por designação: “Estratégias para salas de aula menos chatas”. Queridos netos, juro que era essa a designação do painel! Isto vos garanto por saberdes que, no tempo em que ainda se “dava aula”, elas não só eram chatas como inúteis e até mesmo prejudiciais.

Uma geração de auleiros (talvez um neologismo criado pelo meu amigo Pedro Demo), ignorantes das ciências da educação, produzia e reproduzia males irreparáveis. As escolas enfeitavam a falência do modelo instrucionista com frivolidades einfantilizações metodológicas. Mas, por que disto vos falo, à distância de 20 anos? Porque, nesse janeiro de 2020, me preparava para uma breve viagem a Portugal e visitar a Associação Agostinhoda Silva. O Mestre dizia que as instituições sempre se corrompem e acabam por ser inúteis. A instituição Escola arrastava a sua degradação pelos caminhos do ridículo e da desumanização. Para manter os alunos atentos, professores de cursinhos cantavame tocavam em sala de aula. Esses bardos da pedagogia eram disputados e ganhavam comissão pelas vendas das aulas.

Uma estudante que pretendia cursar Medicina exclamava: Ficamos curiosos para saber que música o professor escolheu e que ponte vai fazer com a matéria! A estudante estava curiosa e eu estavapreocupado com os médicos que iria encontrar pelo caminho, na vida que me restava. Mas é verdade que, escutando Bach e Mozart, as vacas produzem mais leite. E não nos esqueçamos de que, no conto “O Flautista de Hamelin”, é pela música que o flautista seduz os ratos e os arrasta para o abismo…

Se o sábio Salomão disse que respondêssemos aos loucos conforme sua loucura, talvez possamos aplicar às vedetas do show escolar e aos deschateadores de aula aquilo que Nietzsche, sarcasticamente escreveu: O professor constitui um mal necessário. Afinal, é inevitável que os intermediários desvirtuem, quase sem querer, o alimento que transmitem.  

Há vinte anos, a escola das aulas já tinha ultrapassado, há muito, o nível do absurdo. Mas poucos disso se apercebiam. Tínhamos chegado ao tempo do show business pedagógico. A uma geração de hedonismo exacerbado se oferecia cursos-espetáculos, para tornar as aulas… menos chatas.

A imbecilidade estava travestida de pedagogia enada mais poderia ser inventado, para disfarçar o drama. Embalados por canoros mestres, ou por deschateadores de aula, os jovens sobreviviam mais facilmente no “salve-se quem puder” egoísta, que lhes rendia o acesso à universidade, enquanto iamcantarolando, ou se deschateando.

Os homens inteligentes querem aprender; os outros querem ensinar, disse-nos Anton Tchekhov. E os auleiros – chateadores, ou deschateadores – insistiam na peregrina convicção de que é possível dar de beber a um cavalo, quando ele não tem sede… A ética da alteridade estava ausente nos lugares onde, pavlovianamente, os “melhores professores” deschateavam os alunos.

Referindo-se às escolas do século XIX – que, mais data show menos pau de giz, em nada diferiam das escolas deschateadores do século XXI – Stefan Zweig definiu a escola da aula do seguinte modo: é um exército formidável de guardiães disfarçados de professores, que, com meios artificiais e antinaturais se organiza para roubar à juventude a possibilidade de ser.

Por: José Pacheco

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