Estórias da Velha Escola (XXXVII)

Serra Talhada, janeiro de 2040.

Queridos netos, sede bem-vindos a 2040! Que seja para vós um ano benfazejo, como benfazejos eram os gestos da minha amiga Angélica. Acolhia numa espécie de tálamo de bondade jovens rejeitados pela velha escola. Até ao fim dos seus dias, nos contagiou com o seu solidário saber, apaziguando angústias, conferindo-nos alento para defrontar os perigos.

Abri o armário das velharias. Nele havia guardado um velho computador, de onde recuperei a primeira mensagem recebida no distante janeiro de 2020: Sou o Francisco. Desde a última vez que falamos, as coisas não melhoraram. Como na escola das minhas filhas não encontro um professor que não morreu, não está fácil. A diretora, com quem falaste, também não me parece muito motivada. Não está fácil. Não sei o que fazer – era mais um pai, que havia tomado consciência da obsolescência da velha escola e dos seus nefastos efeitos.

O Francisco, como o André e como muitos outros pais e mães, procuravam professores, que ainda não tivessem morrido. Talvez por isso me tenha lembrado da Angélica, cujo exemplo não morreu. No chão das escolas, convivi com angélicos seres, educadores amorosos e éticos, coautores de novas escolas, à medida dos sonhos de muitos pais, professores de que a história da educação não fala e cujas identidades importa divulgar. Divulgarei…

Continuo em viagem pelo Nordeste, mas irei falar-vos do Sudeste do Brasil. Mais propriamente do Butantã de São Paulo. Com a minha amiga Rosely e a maravilhosa equipe da Ana, em meados da primeira década, ajudei a mudar as práticas da Escola Amorim Lima. No final da segunda década (ou início da terceira…), surgia no mesmo bairro um dos projetos mais inovadores, que o século XXI conheceu (pelo menos, até agora…). Refiro-me ao projeto, que dava pelo nome de Escola Aberta, obra de um coletivo, que, abnegadamente, havia dado forma ao Projeto Âncora. Educadores que dele se afastaram, ou foram injustamente afastados, como o João, a Patrícia, o Andersen, a Edilene.

O amigo Lazarte patrocinava esse projeto de escola particular gratuita, num exercício filantrópico, que colmatava os nefastos efeitos da velha escola. Outro amigo – o André – financiava um projeto idêntico, em Portugal. Nesse já distante 2020, a Patrícia atravessaria o Atlântico e, com maravilhosos professores da escola pública do Casal do Sapo, ajudaria a concretizar o projeto de uma escola, que o André sonhou para os seus filhos e para os filhos de outros extremosos e diligentes pais.

A Edilene desenvolvia práticas anunciadoras de novos tempos, de uma nova escola. E foi uma nova escola aquilo que, em 2011, Walter Steurer me pediu que concebesse, para salvar vidas de jovens. Porque – como dizia – fazer contraturno de escola era como enxugar gelo. E, de Belo Horizonte fui para Vargem Grande, perto de Cotia, para ali viver e ajudar a cumprir o sonho desse bom homem. O Walter faleceu no primeiro dia de março desse ano. Mas, a sua memória perdurou e o seu sonho se materializou. Um punhado de educadores, sob a coordenação da Cláudia e da Edilene, deu forma à Escola do Projeto Âncora.

Decorridos alguns anos, inquietantes notícias recebi, fortes indícios de que o Projeto Âncora se degradava. Preocupado e face aos silêncios, que “respondiam” às minhas mensagens, decidi voltar a Cotia. Daquilo que por lá presenciei vos falarei em próxima carta. E vos contarei uma conversa entre a Edilene e o pai de uma aluna da Escola Aberta.

Encero esta cartinha com votos de um benfazejo 2040!

 

Por: José Pacheco

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