Campo Azul, 13 de setembro de 2040
Netos queridos, espero não vos maçar, se insistir no reforço da observância do pensamento de Anísio Teixeira para a educação. Esse mestre insigne afirmava ser dispensável o “transporte escolar” que, nas primeiras décadas deste século foi sacrifício para as crianças e fonte de desperdício. Muitos milhões de reais eram desperdiçados, para deslocar alunos do seu lugar de origem para dentro de prédios a que chamavam “escola”. Anísio aconselhava a “fazer escolas nas proximidades das áreas residenciais, para que as crianças não precisassem andar muito para alcançá-las e para que os pais não ficassem preocupados com o trânsito de veículos (pois não teria tráfego de veículos entre o caminho da residência e da escola), obedecendo a uma distribuição equitativa e equidistante.
Esses e outros anseios se materializam na proposta (teoricamente) assumida pela secretaria, no enunciado de princípios, como o da Integralidade:
“Propõe-se que cada Escola de Educação Integral, ao elaborar seu projeto político-pedagógico, repense a formação dos estudantes de forma plena, crítica e cidadã, reorganizando os tempos escolares e inserindo, por meio de práticas fundamentadas pela pedagogia histórico-crítica, espaços e tempos de aprendizagens, com vistas a garantir o princípio da integralidade”.
Ousei questionar: cadê as práticas fundadas na “pedagogia histórico-crítica”? Não as havia.
Outro princípio era (teoricamente) enunciado, o da Transversalidade:
“A ampliação do tempo de permanência do aluno na escola deve garantir uma Educação Integral, que pressupõe a aceitação de muitas formas de ensinar e aprender, considerando os diversos conhecimentos que os estudantes trazem de fora da escola. A transversalidade só faz sentido dentro de uma concepção interdisciplinar de conhecimento, vinculando a aprendizagem aos interesses e aos problemas reais dos estudantes e da comunidade”.
Mas, cadê as “muitas formas de ensinar e aprender”, se única forma de ensinar imposta pela secretaria era a aula?
Vejamos outro princípio, o da Gestão Democrática:
“As escolas que buscam a qualidade da educação pública devem investir no diálogo com a comunidade. Na Educação Integral é necessária a transformação da escola num espaço comunitário, legitimando-se os saberes comunitários como sendo do mundo e da vida. Assim, o Projeto Político-Pedagógico implica pensar a escola como um polo de indução de intensas trocas culturais e de afirmação de identidades sociais dos diferentes grupos presentes, com abertura para receber e incorporar saberes próprios da comunidade, resgatando tradições e culturas populares”.
Mas, cadê a “comunidade”, o “diálogo com a comunidade”, a “transformação da escola num espaço comunitário”, se os pais não podiam passar da portaria?
Completando a “análise de conteúdo”, vejamos o que o documento nos dizia sobre Territorialidade:
“Significa desenvolver a educação para além dos muros escolares, entendendo a cidade como um rico laboratório de aprendizagem. Não serão os prédios públicos ou privados que garantirão, de fato, a realização deste Projeto. Ele pode ocorrer em praças, clubes, cinemas, comércio local, teatro, em horários organizados conforme os objetivos de aprendizagem”.
Uma última pergunta:
Se assim rezava o documento basilar da política educacional da secretaria, por que razão a secretaria remetia a “aprendizagem” e a “educação” para dentro das quatro paredes de uma sala de aula?
Por: José Pacheco