Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCXXXV)

Itanhandú, 1 de outubro de 2040

Quando jovem professor, repetiram aos meus ouvidos a estafada frase “sempre assim foi e sempre assim será”. As realidades que vivenciei no início do exercício da profissão compeliram-me à aceitação de tão antiga sentença. Porém, pouco a pouco, entre desilusões e esperanças, fui testemunhando transformações em seres humanos, que ajudaram a me refazer e, concomitantemente, a questionar a velha máxima.

Meio século decorrido, já podia afirmar que, acaso sempre tivesse “sido assim”, assim não poderia continuar a ser. Acompanhei processos de ruptura com velhas crenças e práticas. Vi emergir culturas em tudo diversas daquela que estávamos condenados a reproduzir. Hoje, eu sei que o desenvolvimento pessoal e social dos educadores não é algo utópico. Será, talvez, mais um inédito viável freiriano.

Numa tarde de outono, por volta de 1976, uma “superiora hierárquica” em visita à Ponte, estava visivelmente exaltada:

“Por que razão não fazem planejamento na na sua escola, se todas as outras escolas o fazem?”

Expliquei à exaltada “superiora” que outro tipo de planejamento era feito. Não aquele que era comum “em todas as escolas”. Repetidamente, lhe fiz recordar que não advogávamos o improviso, que considerávamos a escola como lugar de aprendizagem significativa, de produção de conhecimento.

A “superiora” reagiu, num brado agressivo, que augurava grossa discussão, pelo que tentei reatar o diálogo, num registro de afabilidade:

“Vamos conversar? Até poderemos fazer aquilo que a senhora manda. Mas precisaremos que nos explique por que teremos de fazer desse modo. Se a senhora nos explicar…”

Foi peremptória:

“Eu acho que deve haver planejamento! E pronto! Sempre foi assim!”

Respirei fundo, contei até dez e reiterei o convite:

“Se a senhora nos explicar por que acha que deve ser assim, até poderemos rever aquilo em que acreditamos e mudar o modo como o fazemos. Mas peço que fundamente a sua opinião.

Aquele era mais um diálogo de surdos. Gorou-se a possibilidade de nos entendermos, porque a “superiora” se quedou furiosa e muda. Estava possuída de forte convicção e não se permitia testar as nossas convicções, escutando discordâncias. A conversa ficou por aí:

“Não se esqueça, senhor professor de que sou sua “superiora hierárquica”!”

“Não nos esqueceremos. E, com todo o respeito que temos pela hierarquia, não faremos aquilo que a senhora manda.”

Prefiro não vos contar, queridos netos, o que a seguir, se passou…

Os professores eram suficientemente inteligentes para compreender que cada ser humano era único, irrepetível, dotado de ritmo próprio e de diferentes estilos de aprendizagem e que o planejamento de aula não contemplava a diversidade. Por que continuavam agindo como se não compreendessem, planejando para um “aluno médio”, que não existia? Por que impediam que o aluno objeto se assumisse como sujeito de aprendizagem?

Antes da chegada das novas tecnologias, já sabíamos que determinar o modo de existir de outrem era tarefa de computador, não de professor. A única certeza que poderíamos ter, quando trabalhávamos com gente concreta – e não com a abstração “turma” – era a de que tudo era imprevisível. Uma das competências do professor seria a da gestão da imprevisibilidade. A predeterminação de conteúdo, tempo e espaço de ensinagem era adequada para autómatos, não para seres humanos.

Não nos demos mal com a nossa opção. Ensinávamos o aluno a planejar-se, para que se tornasse capaz de planejar a sua existência. E muitos projetos de vida de seres autônomos e solidários foram concretizados.

 

Por: José Pacheco

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