Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDV)

São Sebastião do Paraíso, 9 de janeiro de 2041

Prometi que voltaria a falar do “Jardim da Poesia” e isso farei nesta cartinha. A capa desse livro mostrava um tronco de árvore decepada, mas rodeado de flores. Vinte anos decorridos, reparei que se tratava de uma… premonição. Mas, continuemos a falar de jardins e de poetas.

São tão belos os textos e as ilustrações desse livro concebido pelas crianças da Ponte, que se tornou missão difícil a escolha de poemas feitos de singelos versos. Copiei dois, ao acaso. O primeiro foi escrito pela Vânia, que contava sete anos de idade:

“A poesia é um fogo que arde sem chama / como o Amor que a nossa mãe nos dá / que está dentro de nós / Basta conhecer alguém que caminhe comigo / para ter para sempre um amigo / A amizade é uma luz / que arde a Vida toda / sem se apagar”.

O segundo foi composto pela Rita, de oito anos:

“Quem me dera voar / voar mais alto que as águias / para ver lá de cima as montanhas e os rios / e segredar ao mar o que vi e senti”.

O Vander Lee, criança e poeta, cantaria algo semelhante nestes versos:

“Deixa-me perder a hora / Para ter tempo de encontrar a rima / Ver o mundo de dentro para fora / E a beleza que aflora de baixo para cima”.

Só mesmo as crianças e os poetas conseguem traduzir certas emoções. Uma imagem poética é como o germe de um universo imaginado pelo devaneio poético, um maravilhamento diante do mundo. Quando o Quintana visitou o Rio de Janeiro, pela primeira vez, foi entrevistado. Perguntaram-lhe o que mais gostou de ver na Cidade Maravilhosa. O poeta respondeu:

“O que eu mais gostei de visitar foi um túnel.”

Surpreendida com tal resposta, a jornalista insistiu:

“Um túnel? Porquê?”

“Porque, dentro dele, eu pude descansar os meus olhos cansados de tanta beleza”.

Na solenidade de recebimento do prêmio Nobel de Literatura, os laureados sempre leram elaborados discurso, repletos de sapiência. O discurso proferido por José Saramago não foi exceção, a não ser no tipo de sabedoria transmitida. Começava assim:

“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo. Chamavam-se Jerónimo e Josefa esses avós, e eram analfabetos um e outro.

(…) gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver”.

Caeiro transmite-nos esse sentimento de modo inimitável:

“Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno / Pega-me tu ao colo / E leva-me para dentro da tua casa / Despe o meu ser cansado e humano / E deita-me na tua cama / E conta-me histórias, caso eu acorde / Para eu tornar a adormecer / E dá-me sonhos teus para eu brincar / Até que nasça qualquer dia / Que tu sabes qual é”. 

Reparo, agora, que não estou a falar-vos de morte, mas de crianças, de poesia e de Vida. A arte de educar é um ato poético, é perguntar à Vida o que a Vida é. É nunca deixar de perguntar. E de se maravilhar.

Aos dezoito anos, publiquei um livrinho de poesia e compreendi que não era poeta de fazer versos. O meu poetar era outro… Quando cheguei aos setenta, me senti como se sete anos tivesse. E, noventa anos depois de abandonar o ventre da mãe Luiza, continuo na poética e infantil idade dos porquês. Muito tempo após as crianças da Ponte terem escrito o “Jardim da Poesia”, eu formulava sete perguntas, que punham poesia no ato de educar. Delas vos falarei.

Por: José Pacheco

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