Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDX)

Serra Branca, 14 de janeiro de 2041

Em meados de janeiro de 2021, no dia em que Portugal registava novos máximos diários de mortalidade, o diretor de serviço de medicina intensiva de um hospital apelava ao encerramento das escolas. Dizia ser “uma medida “contra” a sua “convicção natural”, mas “essencial” num momento preocupante:

“Advogo o encerramento das escolas na totalidade. Isto é algo completamente contra o meu coração. Defendo isso porque estamos numa situação hiper grave (…) temos agora a nova variante do vírus que parece ter maior transmissibilidade entre os mais novos do que a variante mais comum. Já se perderam alguns dias preciosos”.

O clínico mostrava-se crítico da ideia de que o confinamento destruía a economia:

“É o mau desconfinamento que leva ao ‘lockdown”. Não existem razões socioeconómicas para não aderir ao confinamento”. 

Defensor de uma boa comunicação e de mensagens não contraditórias, esse médico instou os líderes a sensibilizarem os cidadãos com esta mensagem:

“A resposta à pandemia é a montante, ou seja, no comportamento. Espero que a sociedade perceba que tem de confinar”

Entretanto, o ministro da educação, deixava bem claro que as escolas deveriam ficar abertas, alegando que o seu encerramento iria prejudicar “irremediável e precipitadamente” o percurso de aprendizagem dos alunos mais frágeis. 

Um ministro ignorante das coisas da medicina contrariava as autoridades de Saúde. E até mesmo da Educação, porque, quer os alunos “mais frágeis”, quer os “mais fortes” e os “mais ou menos fortes e fracos”, seriam efetivamente prejudicados pelo regresso às aulas. Na escola da ensinagem, todos saiam prejudicados, do “mais fraco” (no dizer do ministro) ao “mais forte”. 

“O custo do encerramento das escolas é bem superior ao risco” – afirmava o equivocado ministro. 

O país estava a passar por uma onda de frio. Temperaturas negativas marcaram o janeiro de há vinte anos, tempo propício à propagação do vírus. Para além dos malefícios da ensinagem, a reabertura das escolas era causa de outros malefícios. E muitas mães se insurgiram contra o devaneio ministerial. De uma delas recebi esta mensagem:

“As crianças estão a passar muito frio nas salas de aula. Com o frio, nem conseguem pensar. Ontem, tive de ir comprar um casaco ainda mais quente para o meu filho. Quando o fui buscar, era já noite e estavam cinco graus na rua. O meu filho tinha os dedos dormentes do frio, não os conseguia mexer. Como pode uma criança aprender nesse estado? O conforto é um dos estados fundamentais para que o corpo a mente e o espírito estejam ativos. 

Quando não deixam que fechem as portas e as janelas das salas, as crianças podem não ficar infetadas com covid, mas muitas vão ficar constipadas nestas condições de gelo. Como é que este governo não consegue entender?” 

No Brasil, a gestão da crise era caótica. Políticos trocavam acusações. Uns diziam que autoridades locais deixaram acabar o oxigênio e que pessoas morreram asfixiadas, em decorrência desse fato. Outros desistiram de aconselhar vermífugo antes considerado eficaz contra o vírus. Ninguém se entendia. E a manipulação política da crise fazia com que o número de vítimas da covid-19 aumentasse assustadoramente. 

Em janeiro, estávamos colhendo os efeitos das grandes aglomerações do Natal e do Ano Novo. Num país à deriva, o desgoverno e a inconsciência de grande parte da população produziram uma tragédia de que, somente hoje, à distância de vinte anos, somos capazes de avaliar. E foi mesmo uma tragédia. Uma tragédia evitável… se fosse outra a educação, se outra fosse a escola. 

 

Por: José Pacheco

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