Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDXCVI)

São Pedro do Sul, 10 de abril de 2041

Quero dar a palavra a uma Liliana, generosa professora de nova geração, que resistiu aos convites do fácil e do cómodo. Tem a palavra a Liliana: 

“As incertezas, as dúvidas e as lágrimas ainda me perseguem. Os dias passam de uma forma alucinante e sinto-me cada vez mais infeliz. Em alguns dias chego mesmo a duvidar se esta será a minha vocação. Sinto-me tão insegura que na escola aparento ser mais uma “professora” (daquelas que tanto criticava). Às vezes, não sei o que fazer: não quero continuar assim, mas também não sei como alcançar a escola dos meus sonhos. Mas não se preocupe, não serei daquelas professoras que lhe provocam pesadelos. O que me irrita profundamente é saber que não estou a agir da melhor forma ou como gostaria e não conseguir fazer nada para o evitar. Bem, acho que ter consciência é meio caminho andado. Obrigada por receber este desabafo. Espero que o próximo seja mais sorridente. Para alcançar o sonho, basta-me ser forte, escutar o meu coração e sobretudo o coração dos meus meninos, não é?” 

A Liliana escutou o coração… Ajudei-a a instituir tutorias, início do seu protótipo de mudança. Quando existia uma equipa, ou, pelo menos, professores querendo mudar, cada núcleo e cada tutor apreendia o processo a seu modo e assumia-o no seu ritmo. 

Poderia ser tutor todo o educador que pudesse estar disponível a qualquer hora de qualquer dia (inclusive fim de semana) para encontros com as famílias dos seus tutorandos. Cada educador (assumindo o estatuto de tutor) não poderia estar mais de cinco horas por dia em trabalho direto com os aprendizes. Aconselhável seria uma hora diária, a partir do momento em que o aprendiz se assumisse em autonomia.

O tutor não pode dar respostas. Não preparava projetos para os alunos, mas os construía com os alunos, a partir de necessidades, desejos, problemas, sonhos. Não fazia planejamento de aula, mas elaborava com os seus tutorandos roteiros de estudo e planejamentos; ensinava os seus tutorandos a planejar, a planejar-se, a saber gerir recursos, tempos, espaços, a saber gerir as suas vidas.

O tutor não “dava aula”. Ele questionava, ajudava, esclarecia, assegurava a mediação pedagógica, avaliava, mantinha atualizado o registro de avaliação formativa de cada tutorando, fazia observações ocasionais e sistemáticas, verificava se os dispositivos pedagógicos estavam sendo devidamente utilizados, se as regras de convivência estavam sendo cumpridas. 

A afetividade não é neutra e a tutoria acontecia numa escolha mútua de tutores e tutorandos. No primeiro mês do projeto, seriam os educadores a escolher os seus tutorados. Formariam grupos constituídos por cerca de uma dezena de jovens. Quando o sistema de relações estivesse bem consolidado e houvesse profundo conhecimento mútuo, os jovens poderiam escolher os seus tutores. 

A ratio professor/aluno nas escolas brasileiras era essa: um para dez. Mas, nas escolas que insistam em formar turmas poder-se-ia aceitar, apenas no primeiro ano do projeto, um número de alunos superior ao quantitativo ideal de uma tutoria (entre 7 e 15). 

Na prática de uma ética do cuidado, uma forma suplementar de tutoria poderia ser a “ajuda entre pares”. Voluntariamente, durante 15 minutos diários, jovens ajudariam jovens. Por exemplo, os já alfabetizados poderiam aqueles que estavam sendo alfabetizados. O mesmo poderia acontecer entre pares de educadores.

Sem fazer das crianças (nem dos professores) cobaias de laboratório, “homeopaticamente”, a mudança acontecia. Estava preparado o terreno para a… inovação.

 

Por: José Pacheco

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