Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDXLVI)

Campina Grande, 20 de fevereiro de 2041

Nos idos de vinte, havia quem dissesse “os tempos são outros”. Pois, os tempos eram outros, mas as práticas eram as mesmas e de recuados tempos. Eu sabia, porque também fora professor “transmissor”. Foi isso que me ensinaram desde a carteira da escola primária até à universidade. E era isso que, nos idos de vinte, se ensinava.

Durante algum tempo da minha vida de professor, dei aula, acreditei (santa ingenuidade!) que palrar informação produzisse conhecimento. Até que descobri algo que qualquer professor sem síndrome de pensamento único pode descobrir: que há outros modos de ser professor e que o professor não transmite o que diz, mas aquilo que é. E o professes nem a informação conseguia transmitir, devido a múltiplos “ruídos” que interferiam na comunicação.

Contudo, eu preferia um professor “tradicional”, que tentasse transmitir conhecimentos, a um professor que considerasse que “a escola deveria ser apenas brincadeira”, ou que “a criança poderia fazer tudo o que quisesse”. Ambos estavam errados. O primeiro, porque insistia num modelo fóssil; o segundo porque praticava uma pedagogia fóssil. Era bem verdade que a aprendizagem passava pelo lúdico, mas, para que acontecesse aprendizagem, a criança não faria o que quisesse, a criança quereria o que fizesse. A criança saberia por que aprendia, dado que atribuiria significado ao objeto de estudo. Entre os cinco princípios da aprendizagem do Bruner, figura o da “aprendizagem significativa”.

A não-diretividade ingênua, que não entendeu a recomendação “segue a criança”, comprometeu a aprendizagem de muita gente. Por seu turno, aqueles que defendiam um “ensino transmissivo”, abominavam aquilo que designavam por “novas pedagogias”. Presumo que usassem tal adjetivo por ignorância da História da Educação. As “novas pedagogias” que eles criticavam eram velhas. Piaget publicara teoria em meados do século XX e as matrizes construtivistas tinham sido elaboradas há mais de um século!

Nos idos de vinte, quem aceitaria ser submetido a uma cirurgia comandada por um médico que se orientasse por ciência produzida há mais de um século? Mas, havia quem entregasse os seus filhos ao cuidado de auleiros praticantes de uma pedagogia com mais de duzentos anos.

Aqueles que influenciaram sucessivos elencos ministeriais e conduziram a política educativa ao desastre evocavam ciências fósseis da educação. Fazendo teorização de teorias mal digeridas e jamais praticadas, alguns “iluminados” contribuíram para lançar um estigma sobre as ciências da educação.

As introduções das bases curriculares, por exemplo, eram enfeitadas com repositórios de lugares-comuns do escolanovismo e modismos híbridos. Contrastando com o discurso das introduções, as bases eram instrucionistas, pervertiam o discurso e se constituíam em obstáculos à mudança e à inovação.

Havia quem disse “os tempos são outros”. Sê-lo-iam?

Não consegui disfarçar a minha perplexidade, quando escutei este diálogo, numa sala de professores:

“Não me sinto preparada para cumprir a BNCC”.

“Medo de quê? Só tens que passar o conteúdo. Vais ver que é fácil! É só escrever na lousa digital e eles copiam…”

Nos idos de vinte, a Pedagogia parecia ser palavra maldita. Foi proscrita, afastada das universidades. Em Portugal, os cursos de Pedagogia foram extintos. O resultado estava à vista de quem soubesse ver: o debate sobre educação era paupérrimo. Apropriado por pseudo-especialistas, exposto ao alvitre de qualquer um e à opinião de todos, transformou-se em terra de ninguém.

Por: José Pacheco

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