Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CLII)

Cacela Velha, 7 de julho de 2040

Nos idos de vinte, o meu amigo Celso pediu-me que fizesse uma “leitura crítica” de um artigo, que encontrei num dos meus velhos caderninhos. Fez-me bem reler essa espécie de sensível libelo do instrucionismo. Ainda hoje, nutro gratidão a esse e outros amigos, que denunciaram e desconstruíram um obsoleto e funesto modelo educacional, ao mesmo tempo que anunciavam e concebiam teóricas alternativas.

Sábio e honesto, como poucos o foram, num tempo feito de medo e de obscenos silêncios, o amigo Celso assim introduzia o seu artigo: A crítica ao instrucionismo tem de ser feita em muitas e articuladas frentes: desde a valorização da profissão docente (para ter professor que queira, de fato, ser professor), a formação (superar o vício instrucionista da universidade), até a questão das condições de trabalho da escola (trabalho coletivo constante, planejamento integrado, currículo etc.). Uma das frentes da crítica deve ser o desmonte de sua legitimidade: deixar muito clara sua fragilidade, sua falta de fundamentação epistemológica.

E acrescentava a crítica, evocando o início da pandemia instrucionista, de que vos falei na última cartinha. Desta feita, na voz autorizada de um dos mais válidos teóricos:

Para algumas pessoas, o ensino frontal, o ensino simultâneo sempre existiu. A rigor, do ponto de vista da História da Educação, é uma prática relativamente recente que tem suas primeiras formulações nos séculos XVI e XVII (ex.: colégios jesuítas; proposta de Comênius: ensinar a todos como se fosse a um só), mas que vai se concretizar em larga escala, no final do séc. XVIII e início do XIX, com a constituição e expansão da escola pública na Europa, onde a lousa, enquanto dispositivo pedagógico, teve grande influência, por funcionar como elemento organizador do espaço da atividade educativa, da sala de aula: o professor na frente, falando e escrevendo na lousa, os alunos uns atrás dos outros, em filas, ouvindo e copiando.

Tal como o Celso, o amigo Rubem também ansiara pela libertação de amarras conceituais e pela imersão no “desaprender” e no “desensinar”.  Era um romântico, mas acérrimo crítico do “ensino simultâneo”, do frontal anônimo da sala da aula. E dizia:

“Quero uma escola retrógrada, em que a aprendizagem seja um empreendimento comunitário, uma expressão de solidariedade e não uma linha de montagem”

Tudo começara no derradeiro ano do século passado, no dia em que o Rubem visitou a Escola da Ponte. Ali, assistiu à desconstrução do paradigma da instrução, a práticas do paradigma da aprendizagem, de que o amigo Celso falava em 2020, pois também havia visitado essa escola.

A Ponte havia sido a primeira escola pública a ousar tal ruptura. E fora “como um momento de “iluminação”, que o Rubem dizia ocorrer, quando acontece o lapsus (a queda, segundo a psicanálise), uma fratura no discurso lógico. Da perplexidade, face ao que vivenciou, ao se deparar com a quebra prática de paradigmas dos conceitos herméticos de educação, o Rubem passou à escrita a surpreendente descoberta.

Era um homem da academia, tal como o Celso. Mas, conseguiu despir-se de títulos acadêmicos e reconhecer, na simplicidade, a forma mais refinada do universo educacional. Porque:

“Gente de boa memória jamais entenderá aquela escola. Para entender é preciso esquecer quase tudo o que sabemos. A sabedoria precisa de esquecimento. Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que se sedimentaram em nós e que nos levam a crer que as coisas têm de ser do jeito que são. Não! Não é preciso que as coisas continuem a ser do jeito como sempre foram”.

Por: José Pacheco

2 Comentários

  1. Ynah de Souza Nascimento 7 de julho de 2020 em 21:07- Responder

    Gostei principalmente quando trata da importância de se formar (ou seria “desformar”?) professores que não compreendam a escola como linha de montagem. Na minha experiência em orientar estagiários de Letras no Colégio de Aplicação da UFPE pude sentir de perto as concepções ultrapassadas de aprendizagem que os futuros professores carregam para seus estágios de prática.

  2. Rosangela Vidal 9 de julho de 2020 em 10:36- Responder

    Esse relato que Rubem
    Alves faz da escola da Ponte, é muito emocionante, o professor que lê esse texto é não se emociona e não percebe um chamado a mudança…. não sei…

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