Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXLIV)

Alcobaça, 28 de junho de 2040

Ficastes surpreendidos por vos ter dito “em 2020 era assim”… Pois ficai sabendo que era muito pior!

Após a pandemia, esperava-se que três subsistemas sociais mudassem de rumo: o sistema político, o sistema econômico e o sistema educacional. E que este deixasse de ser “de ensino”, para ser de efetiva aprendizagem. A degradação do modelo de ensinagem já fizera muito estrago. Semeara ignorância e contribuíra para o agravamento de efeitos colaterais: doenças profissionais, corrupção e até suicídio juvenil.

Em 2020, os prédios de escola estavam fechados. Os professores, angustiados, por não conseguirem alcançar mais de metade dos seus alunos. A administração educacional, cometendo ilegalidades, entre as quais a do abandono intelectual de mais de metade dos jovens em idade escolar. Por força do modelo da aula, mlhões de alunos estavam votados ao  abandono. E esses jovens estavam ansiosos de reencontrar, de abraçar os seus amigos. Porém, o regresso planejado seria à mesmice da sala de aula, mascarados, sem poder abraçar-se e condenados ao abandono intelectual e moral.

O amigo Tião comparava esse modelo educacional a um “serviço militar obrigatório”, a partir dos seis anos de idade. E era certo que o “campo de batalha” em que a escola da aula se transformara, ao longo de dois séculos, se abria para a remilitarização da ensinagem. Digo “remilitarização”, porque a escola de 2020 tinha por origem remota a escola prussiana do século XVIII.

A remilitarização da escola partia de princípios idênticos àqueles que lhe deram origem. As crianças eram manipuláveis, meros objetos de ensinagem, formalmente obedientes a inquestionáveis ordens. A convivencialidade humana fundada numa relação humana vertical, as cadeiras enfileiradas, as filas, o toque de entrada e saida de espaços de confinamento governados por regras impostas arbitrariamente, foram criações do tempo imperador, desencadeando a normatização do ensino.

Duzentos anos após a pandemia da ensinagem chegar ao Brasil, mesmo que a remilitarização não se consumasse, havia pretexto para vigiar e punir. Vigiava-se gestos dissonantes de autonomia e, com o infligir de uma disciplina férrea, se punia manifestações de violência verbal ou física, geradas pela própria escola.

Em 2020, era assim… queridos netos. Nem seria necessário evocar episódios como os de Columbine, ou do Realengo, protagonizados por ex-alunos, que voltavam à escola para matar seus colegas e professores. Três alunos colaram uma professora na cadeira, foram expulsos e transferidos para outras escolas. Este lamentável episódio teria sido o corolário da tolerância do intolerável. Mas porquê criminalizar a indisciplina, agindo sobre consequências, se já era tempo de agir sobre as causas? De que serviria expulsar alunos? A violência seria resposta para a violência? Se o discurso era unânime – É preciso reforçar a autoridade dos professores! – a prática contrariava o discurso. A regra era a transferência da autoridade do professor para os órgãos de gestão e para burocráticos procedimentos disciplinares.

Autoridade não rima com controlo, imposição, submissão. Etimologicamente, a palavra autoridade significa “ajudar a crescer”. Ajudar a crescer pressupõe o exercício do diálogo e a desocultação de perversos modos de relação. Por mais que custasse reconhecer, perante a violência simbólica imposta pelas escolas, a desobediência e a indisciplina poderiam ser consideradas manifestações de sanidade mental.

Por: José Pacheco

Um Comentário

  1. Francisca 29 de junho de 2020 em 02:09- Responder

    Querido Vovô do tempo José, aqui é Francisca sua neta que te adotou neste futuro seguro que a comunidade de aprendizagem passou em tempo, e chegou no começo de sua aventura que é o autoconhecimento de ser. Em um futuro um pouquinho a frente..

    Fico sempre impressionada com suas cartas, e agora que consegui acessar a “máquina do tempo”, consigo te responder e colocar nos acessos que tive, vou te repassar tudo o que vi aqui no futuro e entre o passado como tudo mudou, a começar por todo seu esforço e tantas determinações para se encontrar o real aprendizado.

    Quando ainda era criança, sinto dizer, mas as coisas ainda não estavam totalmente formadas, mas posso dizer que muito já se conseguiu alcançar em mudanças de paradigmas!

    Primeiro, hum.. Por onde devo começar?
    Ja sei! Vou começar pelos questionamentos
    Para aprendizes (alunos participantes de próprio aprendizado)
    O queremos aprender?
    O que precisamos aprender? Para o que?
    E o que fazermos com o que aprendemos?
    Para repassadores (educadores participantes de seu próprio aprendizado)
    O que é necessário, útil e bom repassar?
    O que queremos repassar?
    O que precisa ser repassado?

    Tivemos descobertas tenho que contar, que não é só o aluno que aprende o professor aprende até muito mais, porque estes educadores aqui no futuro, eles não se limitam a ensinar, eles aprendem com o aprendizado, porque para resolver problemas, acabaram entendendo a revelação da educação que é o de solucionar problemas, e que problemas não são problemas, a ignorância é, problemas são possibilidades de solução, e quando alguém tem dificuldade de solucionar um problema, pelas relações humanas através da dinâmica de grupo, nós nos juntamos em grupo para encontrar esse entendimento, eu sei que o Vovô já sabe, mas vou escrever em alto e bom som a Educação é integrada, ela não é parcelada, nem dividida, nem somada, mas é sim a redução da ignorância, com a soma dos problemas, na multiplicação das soluções, que são iguais a consciência que chegamos.
    E nisso consistiu todo o começo da base de mudanças, nos questionamentos, do queríamos para educação? Para que educar? Quem estamos educando? E a mais importante como educar? E oque é a educação em si?

    No começo se pensou que queríamos a educação para fazer pessoas produtivas, mas o que seriam estas pessoas produtivas? Aquelas que produzem para quem? Para o que?
    Mas logo se chegou ao entendimento, demorou uns anos, que se estava produzindo para produção (mercado, cliente,produto, escola uma empresa, etc), mas isso não era educação, era produção, então se passou para o próximo questionamento.
    Então o que queríamos da educação? Antigamente aí no seu tempo Vovô, li nos livros de historias tristes, assim como as que me conta; que os pais queriam que seus filhos fossem bem comportados, tirassem notas boas, fossem alunos exemplares, assim como os professores. Sabe que até hoje não entendo, o que seria esse aluno exemplar? Quem determina isso? Seria aquele que faz tudo o que o professor quer? E o professor sabe o que quer? Que os pais querem? Sabem o que querem? O que a sociedade quer? Mas que com tantas coisas em cima de si e a pressão da molda, acaba esquecendo até quem se é, ou na verdade nem se consegue se auto descobrir para ser, é uma angustia isso ..
    Mas neste questionamento do que queriam da educação, é que começaram as surgir algumas respostas, sim..
    Primeiro, se a Educação é um aprendizado integrado e ela é, de que forma fazer com que todos aprendam? E repassem ao mesmo tempo para que o círculo seja completo?
    Sim! Vovô José, isso mesmo assim como me repassou, o aprendizado é a busca do saber, do conhecer e se auto conhecer através das trocas nos círculos das relações das comunidades, através das relações humanas e ambientais, de tudo que tem vida, assim como nós. Temos uma referencia em música que sempre nos motiva a aprofundar o que é essa desconhecida e presente educação que nos permeia, perpassa e repassa o que somos e ainda desconhecemos o que ela verdadeiramente é, gostaria de conhecer? Vovô você já conhece viu, já que são seus preceitos mais profundos que chegaram aqui até mim e vão agora voltar para você, de coração para coração. Vou repassar já que na conexão desta máquina do tempo, não temos tempo a perder!

    Doce é sentir
    Em meu coração
    Humildemente
    Vai nascendo amor

    Doce é saber
    Não estou sozinho
    Sou uma parte
    De uma imensa vida

    Que generosa
    Reluz em torno a mim
    Imenso dom
    Do teu amor sem fim

    O céu nos deste
    E as estrelas claras
    Nosso irmão sol
    Nossa irmã lua

    Nossa mãe terra
    Com frutos, campos, flores
    O fogo e o vento
    O ar, a água pura

    Fonte de vida
    De tua criatura

    Que generosa
    Reluz em torno a mim
    Imenso dom
    Do teu amor sem fim

    Ninguém tem tanto que nada precise aprender, e ninguém tao pouco que não precise e tenha nada a repassar, sempre aprendemos com tudo e com todos, e esta é a perspectiva humana sem se limitar. Não somos eternos aprendizes temos o que repassar, mas estamos eternamente aprendendo, e quando descobrimos o que não aprendemos, e o que queremos aprender, encontramos o caminho para o saber.

    Em breve continuarei, não posso continuar agora, com carinho de sua neta que te adotou.
    Que o círculo do repasse se mantenha vivo em nós e através de nós para todos nós, pois é de vida que se vive!
    Com alegria do contato.
    Francisca

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