Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXXV)

Sertão do Cariri, 19 de junho de 2040

Querida Alice, se eu pretendesse descrever o teu nascimento, como o do Marcos, do modo que o vivenciaste e nas palavras de um neonatal, poderia imaginar-te dizendo:

“Subitamente, enxerguei clarão, escutei uns sons estranhos. Até que me senti agarrada pelos pés, cabeça para baixo, de mão em mão… é a isto que chamam “nascer”? Passado o sobressalto, deitaram-me ao lado de um respirar lento e benfazejo, que me tocou suavemente. Retomei a calma. Senti o afago de dedos ternos. Depois, uns lábios doces me tocaram e soube que estava nos braços do meu pai”.

Nesses ditosos dias, os vossos pais vos afagaram com a meiguice das palavras que só crescem no coração dos pais. Debruçaram-se sobre o vosso rosto, embalaram o vosso sono, quando ainda só faláveis com o olhar, dizendo-vos do imenso Amor por vós sentido.

Outros acontecimentos felizes marcaram o ano de 1976: o nascimento do vosso pai e a chegada do vosso avô à Escola da Ponte. Com outros pais, assumi a decisão ética de mudar de prática, preparei a escola que o meu filho e os ditosos filhos de outros pais mereciam: um tempo e um lugar onde pudessem ser crianças sábias e pessoas mais felizes.

Queridos netos, no início deste século, a minha preocupação era com aquilo que vos esperaria, quando chegasse o tempo de ir à escola. Acreditava nos professores e confiava que vos ajudassem a aprender a gramática de tempos que seriam os vossos e que, certamente, nós já não iríamos viver. A minha apreensão se desvaneceu, quando soube que a escola que vos acolheu era a de um professor de matemática e ex-aluno da Ponte: o vosso pai. Com imenso desvelo ele vos cuidou.

O mesmo zelo e sensibilidade encontrei em Maria educadores. Na segunda década deste século e em plena quarentena, a Maria Bastos metia conversa no facebook:

A quarentena me tirou de uma rotina na qual me sentia muito confortável, o meu trabalho dentro da Escola, com toda a emoção que existe no conviver com crianças e no ato de ser educador. Minha Anna sente falta da Escola, dos amigos, da convivência mais ampla. Viemos construindo, desde o início da pandemia, uma nova forma de viver e conviver. Nosso objetivo principal é de que os alunos continuem se sentindo próximos e vinculados a nós.

Outra Maria era exímia contadora de estórias. No seu tempo de juventude, lia e relia contos de fadas e romances policiais. O seu pai não aprovava tais leituras, porque as considerava perda de tempo. Mas, a irreverência da jovem vestira-a de uma prodigiosa imaginação e ela me presenteava com deliciosos diálogos de mãe e filha:

Mãe, quem faz as moléculas?

Os átomos, filha. E eles são menores do que as moléculas.

Mãe, como você me fez, se é maior do que eu?

Libertar as ideias afaga a criatividade e tem o condão de reforçar o pensamento divergente, que nos protege de certezas certas. Libertamo-nos de peias, quando interrogamos o mundo, vendo cada manhã nas cores da primeira madrugada.

No ventre de uma Maria me gestei. Os braços dessa Maria me embalaram. Nos meus braços, essa Maria exalou o último suspiro. Se uma morte prematura me não deixou expressar-lhe quanto Amor por ela sentia, ou se mais Amor não vos dei no tempo certo, agora me redimo. Falar-vos-ei em nome de todas as Marias, que, amorosamente e em perturbados tempos, se deram a utópicas tentativas de dar sentido ao ato de educar. Quero que saibais que havia pessoas assim, gente com a coragem que é preciso ter, para acolher e cuidar de órfãos de afeto e desamparados do aprender.

Ainda hoje, acompanho quem constrói futuros presentes, ainda guardo saudades do futuro. Para quê mais palavras?

Por: José Pacheco

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