Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXXIII)

Cabo Frio, 17 de agosto de 2041

A imagem que encima esta cartinha é reprodução de uma pintura do artista Juan Lucena. Esse pintor espanhol quis prestar uma homenagem póstuma a todos os avós que a Covid ceifou, sem lhes permitir um último adeus.

No decurso da primeira pandemia, se aconselhava distanciamento social entre avós e netos. Mas, por que se manteve essa separação, se continuou a produzir esse corte intergeracional, aquando do regresso ao “novo normal”? 

Foi isso mesmo o que aconteceu. Após a pandemia, as escolas regressaram à mesmice. Crianças de tenra idade eram depositadas pelos pais em creches e jardins de infância. Os avós eram depositados pelos filhos em asilos, ou aprisionados em domicílios, estupidificando-se em frente à televisão.

Diz-se que o nível moral da humanidade pode ser medido pelo tratamento dado às crianças, aos velhos e aos animais. Naquele tempo, era negado às crianças o direito a uma escola onde pudessem aprender, sem deixarem de ser pessoas felizes. Muitos idosos eram deixados nas urgências dos hospitais, quando se aproximava o tempo das férias. E, no início de cada Verão, cães e gatos eram abandonados em sítios ermos, tal como as pessoas.

As crianças, tal como os adultos, careciam de um olhar atento, amoroso, da palavra, da risada… de comunicar. O cordão umbilical da comunicação, o diálogo entre gerações era cortado precocemente. Se as crianças, assim como os adultos, comunicavam com quem estava disponível para comunicar, com a passagem do tempo, desistiam. 

Como dissera o Pássaro Encantado, quando se fala com amor, cada palavra que se diz é uma revelação daquele que fala. O amigo Rubem não abdicava da sua fé, que lhe dizia não existir amor verdadeiro sem a palavra pura, sem o amor em ato. E Freire afirmou a necessidade de o professor amar o que fazia. 

Não seria amor que tudo aceitasse passivamente, mas um Amor que denunciava e anunciava.  Amor e Coragem nos ajudavam a enfrentar, a superar o medo, nos forneciam ânimo para alimentar o sonho, para elaborar consciência crítica e destruir mitos, que deformavam a consciência e naturalizavam situações injustas.

Se Agostinho dizia ser doutorado em raiva, eu o entendia. Na prática, a raiva agostiniana era transmutada em Amor. O Mestre luso-brasileiro buscava harmonizar diferentes visões de mundo, amorosamente abraçar diferenças, usar de compaixão perante sentimentos humanos imbricados em medos e fúrias.

Na Ponte, havia um dispositivo pouco conhecido: o “lugar de estar sozinho”. Era um espaço onde estávamos a sós conosco. O nosso trabalho era prazeiroso, mas desgastante. Por vezes, pequenos incidentes provocavam cansaço, e se mostrava necessário o recolhimento. 

No chão da escola, rodeado de crianças, como na solidão de um quarto de hotel, era frequente um fechar de olhos, para poder recuperar a serenidade, ir até ao infinito do que somos: o Amor. Fechava os olhos, para ver. Para me ver. Para desvendar o esconso interior magoado.

Como diria a Regina, agir por Amor, escutar, respeitar deveria ser algo natural. Mas, as escolas estavam acostumadas ao gradeado desrespeitoso, forçado a um silêncio artificial. A tirania imposta pela padronização se tornou “natural”.

Quando reli textinhos publicados nos idos de vinte, me apercebi de que a palavra mais utilizada era… Amor. Assim mesmo, com A maiúsculo. 

Inconscientemente, eu adotara uma divisa: escolas eram pessoas, as pessoas eram frutos e sementes de Amor. Não foi por acaso, que encontrei no baú das velharias, um dos quadrinhos com que o amigo Celso nos brindava no WhatsApp da Uniprosa. Ei-lo:

 

Por: José Pacheco

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