Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXXII)

Paraibuna, 16 de agosto de 2041

No início da década de vinte, a Ana Júlia, o Wander, a Ana Paula, a Tina, o Michel, a Karen e um seleto conjunto de educadores ajudavam a Priscila co-prefeita e o André secretário a colocar Mogi no século XXI da educação. 

Esses educadores e essas educadoras davam-nos lições de dignidade profissional, de cidadania. Mas, ao mesmo, assistíamos à praga do negacionismo, ao desvirtuamento da palavra “cidadania”. Vigorava a racionalidade economicista, prevaleciam valores individualistas, consumistas. Perdera-se a noção de coletividade. O termo “cidadania” era manipulado. O conceito era usado de modo parcial, ao sabor de ocultos ou claros interesses, omitindo-se o seu real fundamento.

O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para os fazerem parentes do futuro. E, porque o Mia Couto o havia dito, não valia desistir. Educadores organizavam-se em núcleos de projeto, se assumiam cidadãos. E, se uma escola não mudava inteira, ao mesmo tempo, no respeito por quem decidia mudar, novas adesões surgiam.

Embora passassem por diferentes estágios de constituição, cada núcleo era um nodo de uma rede, com idênticos objetivos, mas autônomo, pois cada grupo humano reagia em diferentes ritmos à necessidade da paradigmática transição de miseráveis práticas para o exercício do direito à educação.

As etapas transformadoras eram vivenciadas num estatuto de participante ativo. Tomada consciência da precariedade do que chamávamos “ensinagem”, surgia a necessidade de entender como fazer diferente, se evidenciava que um projeto de mudança era ato coletivo. E que a autonomia cidadã resultava de um ato relacional, no ser autónomo-com-o-outro. 

Existíamos porque o outro existia, e não sozinhos. A nossa liberdade não terminava onde começava a liberdade de outro alguém. A liberdade de alguém começava onde começava a liberdade do outro. Em equipe, defrontávamos momentos críticos de reelaboração da cultura pessoal e profissional. E, se nos aculturávamos através do exemplo e a aprendizagem acontecia por imitação, recordo uma situação de há muitos anos.

O presidente da assembleia era um mocinho muito autocentrado. Nas reuniões, ele somente dava a palavra aos amigos e não assumia responsabilidade coletiva, em situações que justificavam essa atitude. Foi criticado por muitos dos alunos que o elegeram. Reagiu, dizendo que se demitiria. Então, as crianças tomaram uma decisão surpreendente: decidiram que o presidente deveria continuar no cargo. Mas que a condução das reuniões deveria ser participada pelos restantes membros da mesa da assembleia, de modo a ajudar o presidente a aprender a respeitar os outros e a respeitar-se.

Ao longo daquele ano letivo, o presidente não foi demitido, mas viveu múltiplas situações de ajuda mútua. No final da última assembleia daquele ano, deitou discurso, agradecendo aos colegas a oportunidade de ter aprendido a ser solidário. Em linguagem de gente jovem, disse que não se importava de não ser o primeiro, “para que todos fossem os primeiros”. 

Dizia-nos o mestre Pestalozzi que a educação moral não deve ser trazida de fora para dentro da criança, mas deve ser uma consequência natural de uma vivência moral. A compreensão e a aceitação do outro resulta de uma aprendizagem da verdade, na arte de conviver. Desde tenra idade, a solidariedade na solidariedade se aprendia. Não se educava para a cidadania. Se aprendia cidadania no exercício da cidadania, em contextos de liberdade responsável.

 

Por: José Pacheco

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