Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DLVIII)

Maia, 12 de junho de 2041

A palavra crise designa uma situação em que é produzida ruptura com algo instituído, sucedendo desequilíbrios e tensões. Recebi uma mensagem de uma coautora de um projeto em crise: 

“Corremos o risco de fechar, porque professores de outras escolas inventam as maiores mentiras, para que os pais dos nossos alunos os levem embora daqui. E até o prefeito está contra nós. Quer um exemplo? Mandou arranjar a estrada, mas a obra parou a dois quilómetros da nossa escola. Nos dias de chuva, o ônibus que traz as nossas crianças não consegue cá chegar. O resto do caminho é feito em poças de água e lama”. 

A Ponte viveu os mesmos dramas de outras escolas. Na década de oitenta, um dos maiores jornais diários portugueses dedicou uma página inteira a “uma escola pública notabilizada, aquém e além-fronteiras, como projeto educativo inovador”

Não reproduzirei aqui todo o texto, por ser extenso. Somente citarei a parte final:

“Este é, seguramente, um dos caminhos para fazer aumentar o grau de escolaridade da região, até ao nível das licenciaturas e dos doutoramentos, no tecido empresarial de todo o vale, como preconizam os modelos de desenvolvimento já traçados. Os modelos que apostam no futuro”. 

Eram frequentes as notícias que apontavam a Ponte como exemplo de escola de boa qualidade. Porém, as elogiosas referências à Escola da Ponte, feitas pela comunicação social nacional e estrangeira, contrastavam com o tratamento dado à escola pela comunicação social da região onde estava sediada. 

No mesmo dia em que esse artigo era dado a conhecer aos leitores de todo o país, eu abri um jornal local, em cuja capa estava escrito “Especial Educação”. Pude ler entrevistas aos diretores de todas as escolas de Vila das Aves. Todas as escolas, exceto a da… Ponte. “Alguém influente” proibiu o jornalista de contatar a Escola da Ponte. 

No mesmo número desse jornal local, na divulgação de um concerto, o “ostracismo” voltou a manifestar-se. A referência aos alunos da Ponte, que iriam atuar nesse concerto, foi substituída pela expressão “um grupo de crianças de Vila das Aves”. 

Como outras boas escolas, de que o Brasil e o mundo dispunham, a Ponte era ostracizada na sua vizinhança. A fúria persecutória de políticos sem escrúpulos não se fazia sentir somente nela. Exercia-se sobre qualquer professor ou escola, que ousasse ser diferente. Algo que escapasse à mediocridade reinante se constituía em “pecado mortal”, em “inimigo a abater”.

A dignidade de uma autonomia, que a Ponte sempre reivindicou, estigmatizou-a. Deu origem a maus-tratos por parte a prefeitura, que tudo fez ao seu alcance para a prejudicar o projeto. Inclusive, ao adiar a construção de instalações, a que a escola tinha direito, e ao impor a saída da escola do seu lugar de origem: o bairro da Ponte, em Vila das Aves.

Na reportagem que referi, a diretora de uma escola vizinha tentava justificar a sua recusa de albergar alunos da Ponte. Manifestou o receio de que “o projeto mais mediático [o da Ponte] viesse ofuscar o da sua escola”. A restante prosa era rasa, ridícula, prova de que o maior aliado de um professor era outro professor e que o maior inimigo do professor “diferente” era outro professor. 

A Escola da Ponte nunca pediu para aparecer na TV, ou nos jornais. Outras escolas (menos “mediáticas”) não poderiam dizer o mesmo. Se, dentro e fora do país, a Ponte era a instituição educativa mais conhecida e prestigiada, seria lógico que se convertesse em objeto de notícia. Mas, quem dera à Ponte que o não fosse! De cada vez que a escola surgia na mídia, logo os efeitos da inveja se faziam sentir. 

 

Por: José Pacheco

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