Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXIX)

Tavira, 3 de maio de 2041

A minha amiga Tina enviou-me “três perguntinhas simples”, para que eu lhes desse resposta:

“Tem que ter aula? Tem que dividir por idade? Tem que ter prova?”

É evidente que a Tina sabia as respostas, porque só quem sabe faz perguntas. Mas, atrevi-me a tratar essas “perguntinhas simples” com uma pequena dose de “complexidade”. E parti das respostas para novas sete perguntas. Passei pela definição e interpretação de sete obstáculos. Identifiquei e ajudei a colocar em ato sete modos de os ultrapassar. Disso vos falarei em próximas cartinhas. 

Por agora, recuperarei uma pergunta, para além das sete, cuja resposta foi encontrada já nos finais da década de vinte: 

“Quanto tempo duraria ainda o “inferno astral” da Educação?” 

Há vinte anos, por esta altura, estava prestes a completar setenta anos de idade e mais de cinquenta de ajudar a construir projetos. Atravessava o meu “inferno astral”, estranha expressão, que os astrólogos definem como um mês irritante, frustrante. Realmente, aconteceu um mês conturbado. Uma escola a que eu doara décadas de vida útil, mostrava-se refratária à inovação. 

Quando se conscientizaria e retomaria rotas de transformação? Ciclos de avanços e regressões se sucediam. Projetos surgiam, assumiam visibilidade social e… desapareciam. Ministros e secretários de educação recém-empossados esboçavam projetos de mudança… e  se instalava o “inferno astral“. Eram assediados por puxa-sacos, pedindo emprego para familiares e amigos. Recebiam uma avalanche de currículos. Eram pressionados por políticos sem escrúpulos, negociando cargos. Poucos resistiam ao assalto de sistemas de ensino e consultores. E aqueles que resistiam eram alvo de tentativas de assassinato de caráter perpetradas por burocratas de serviço. 

Em 2019, a nomeação de um secretário de educação acendeu no espírito deste incorrigível esperançoso o pressentimento de que algo iria mudar, porque o Rafael falava assim: 

Nosso currículo e nossas metodologias precisam passar por um processo de modernização. Teremos seleções técnicas para todos os cargos. Políticas públicas serão baseadas em evidências científicas.” 

Eu conhecia o novo secretário. Era pessoa competente para o exercício do cargo e talvez não cedesse perante ardilosas manobras de bonsais humanos, que chafurdavam na lama da era da pós-verdade. A educação estava nas mãos de corruptos e amadores. A tarefa do novo secretário anunciava-se ciclópica. 

O sistema estava imerso em contradições, numa deriva traduzida em indicadores medíocres. O amigo Rafael criou condições de mudança e, ao fim de meio ano… demitiu-se.

Durante o meu “inferno astral”, refletia sobre o fenômeno da corrupção intelectual. Se o professor era um ser humano sensível e inteligente, conhecedor da lei, que nos dizia ser a educação um direito de todos, poderia continuar a praticar um modelo de ensino, que negava à maioria dos jovens esse direito? 

Na dimensão da deontologia profissional, considerando exigências éticas, para compreender a dimensão real da “crise”, me confrontava com a pesquisa tradicional. Esta não deixava ver que “a crise” da escola não era apenas da escola, que afetava todo o tecido social e se retroprojetava na escola. Nesse tempo, estudos feitos de citações de citações não conduziam à identificação de caminhos exequíveis para uma educação de boa qualidade. Perversamente, eles contribuíam para a manutenção de um fóssil.

A situação de crise não era apenas originada pelos defeitos de uma gestão burocratizada. Havia evidências de corrupção moral. 

 

Por: José Pacheco

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