Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (LXVIII)

Cassange, 13 de abril de 2040

Queridos netos,

Já vos falei do meu amigo Tiê e da sua infinita curiosidade. Muito eu aprendi, tentando dar resposta às suas perguntas, durante aquela semana de formação da península de Maraú. Nos seus três aninhos, o Tiê talvez nunca tivesse ouvido falar da Clarice Lispector, mas ela tinha sido um Tiê adulto: “Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever” – assim se pronunciava a escritora.

Aprendi com o Tiê e com a Clarisse a escrever perguntas, sempre que não me davam resposta. Há precisamente setenta anos, apercebi-me de que, dando aula, eu não ensinava e de que muitos dos meus alunos não aprendiam. Por isso, uma das perguntas, que insistentemente, faço, sem que me deem resposta, é esta: Se numa aula pouco, ou mesmo nada se aprende, por que razão os professores dão aula?

Encontrei a resposta nos livros da Montessori, do Steiner, do Freinet, do Dewey, do Lauro, do Anísio, da Nise, da Nilde, do Freire…

No decurso de um seminário. eu partilhava a mesa com a minha amiga Madalena Freire, quando um professor ensaiou uma resposta:

Eu dou aula, porque acho que eu ensino dando aula.

A Madalena interveio nestes termos:

O colega acha, mas os professores não podem achar, devem fundamentar. Você me perdoe, mas o achismo não serve de resposta. Importa-se de fundamentar?

O professor não fundamentou, porque não havia, nem há, como fundamentar a prática da aula.

No final do encontro, fui conversar com esse professor. Ficamos em contato até hoje. Durante trinta anos, conversamos e nos transformamos. Se eu deixei de dar aula, há quase setenta anos, ele deixou de dar aula, há cerca de vinte anos, para que os seus alunos pudessem aprender.

Há muitos, mesmo muitos anos, conheci um professor, que já “não dava aulas”, mas que se gabava de, no tempo em que as dava, ser considerado um “bom professor”, pelo facto de reprovar muitos alunos. Mas, também há muitos anos, o mestre Agostinho da Silva nos recordava que “a maior parte dos professores, que combatem métodos novos fazem-no porque os desconhecem, ou porque todos à volta se conservam na rotina de um próspero analfabetismo”.

Agostinho foi professor da Universidade de Brasília. A UnB sempre contou com mestres notáveis. Tal como o meu amigo Pedro Demo. Aqui vos deixo uma evidência do seu imenso saber:

Poucas coisas são mais inúteis do que aula: roubam o tempo do estudante, desmotivam-no ostensivamente, refletem autoritarismo grotesco, deturpam o sentido da aprendizagem e do conhecimento, e representam a vanglória mais tola do professor. Aula é o que mantém a escola presa ao passado fordista, como consta dos “Tempos Modernos” de Chaplin, repetitiva, monótona, linear, sequencial, insuportável, desumana. Não tem como objetivo cuidar da aprendizagem do estudante, mas de transmitir conteúdo, que frequentemente o estudante sequer entende (…) Esta mania vem da faculdade, onde foi, estritamente, “vítima de aula”, e, logo, chegando à escola, reproduz o que recebeu por reprodução (…) Urge achar soluções adequadas, para não invalidarmos, tão abusivamente, o futuro dos estudantes. Quem toma como compromisso fundamental da escola cuidar que o estudante aprenda, de maneira integral e comunitária, jamais coloca aula no centro.

Isto encontrei no meu velho caderno com o número nove na capa. Ao lado do texto, transcrito exatamente há vinte anos, fiz uma anotação: Hoje, irei ver e escutar o meu amigo Pedro, falando desse assunto no Instagram.

Quanta saudade eu sinto desse tempo de mudança!

Por: José Pacheco

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