Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (LXXXI)

São Roque, 26 de abril de 2040

Hesitei em enviar-vos esta carta. Ela narra uma lamentável ocorrência. Só decidi enviá-la, porque, animado do esperançoso “espírito de abril”, a concluo com um “final feliz”.

Decorria o mês de abril de 1975. Nas minhas andanças de militante frinetiano, munido do “espírito de abril”, fui ajudar professores a introduzir técnicas Freinet nas suas práticas, num encontro previsto para dois dias de duração… e que só durou um.

Eu já tinha introduzido nas minhas aulas – no tempo dos dinossauros da educação, eu também dava aula – a imprensa escolar, os ficheiros autocorretivos, a assembleia, a correspondência escolar, toda a parafernália que Freinet nos tinha legado. Convidei e fiz equipe com uma professora universitária.

No início do primeiro e único dia de encontro, apresentei-me como professor primário e militante do Movimento da Escola Moderna. A colega apresentou-se como “Doutora Fulana” e disse que era especialista em currículo.

No final da manhã desse primeiro e único dia de formação, eu já estava cansado de escutar tantos “mas”, tantos “ses”, que “não era possível”, que “os professores não tinham condições para”… pois, se eu partilhava uma prática, isso era evidência de que era possível, que havia condições. Enfim!

Propus uma dinâmica de grupo – não vos explicarei em que consistia, mas poderei acrescentar que havia um “ingênuo” em cada grupo. Ao aproximar-me de um dos grupos, fi-lo, de modo que o “ingênuo” (melhor dizendo, a “ingênua”) não me visse. Esse “ingênuo” era a Doutora, que fazia equipe comigo. E, quando me aproximei do círculo de formandos, escutei a Doutora dizer:

Pois é, minhas senhoras. O colega Pacheco é um idealista. É claro que vós não ireis fazer o que ele diz que faz. Não há condições! Não é, colegas?

As “colegas” não responderam. A Doutora voltou-se e fitou-me com cara de quem não gostou de me ver…

Por pudor, não vos direi o que disse à Doutora, naquele momento. Só vos direi que ela se foi dali, para nunca mais voltar. E, nesse mesmo dia, eu dei por concluída a ação de formação.

Eu já havia assistido a uma palestra dessa e de outros doutores. Projetavam imagens numa tela, as chamadas “transparências” (num tempo em que ainda não havia computadores, nem power point, os palestrantes usavam folhas de acetato transparente colocados num retroprojetor) e iam lendo frases do Freinet e de outros escolanovistas. Esforçavam-se por serem simpáticos, afagando o ego dos professores. Estes correspondiam com calorosos aplausos. O doutor usava de uma sutil condescendência, a que o professor recorria, para se manter no cómodo amparo da sua zona de conforto.

Quarenta e cinco anos após o episódio descrito, esses nefastos personagens do drama educacional andavam por aí, fechando portas que abril abriu, anulando oportunidades de mudança e de inovar. No tempo da pandemia, a Internet foi por eles invadida. Estavam na moda as “metodologias ativas na sala de aula”, as “comunidades de aprendizagem e outros subprodutos confeccionados por teóricos de teorias. Na prática, metodologias “inativas” eram reproduzidas em sala de aula e as ditas “comunidades” eram adereços, que ornamentavam as escolas da ensinagem. Gente, que eu considerava séria, era conivente com uma farsa.

Uma profunda tristeza me invadia. Mas foi desfeita. quando me juntei a outros educadores, que decidiram concretizar propostas por mais de cem anos adiadas. Nas próximas cartas, contar-vos-ei um FAZER, que começou no dia 25 do mês de abril de há vinte anos.

Por: José Pacheco

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