Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXIII)

Lago Norte, Distrito Federal, 28 de maio de 2040

A vasta produção científica do meu amigo Pedro Demo, de que vos falei na cartinha de ontem, seria material suficiente para cartas que eu escrevesse até ao fim do século. Como lá não chegarei, limito-me a citá-lo em várias missivas, lamentando que esse mestre, ainda hoje, não seja tão conhecido quanto merece.

Em 2020, vivíamos na mesma cidade. E me era dado o privilégio de beber diretamente da fonte do saber. Virtualmente, quando em tempo de pandemia. Na sua presença, quando, na UnB e em congressos, partilhávamos mesas de debate. Ou na minha casa, também à volta da mesa, partilhando um “bacalhau à lagareiro com batata a murro”, descontraidamente discorrendo sobre os absurdos em que a educação era fértil, surfando eflúvios de um vinho verde do Minho,

Nesse já distante ano, o Mestre Pedro publicou um ensaio com o título “EDUCAÇÃO À DERIVA”, uma análise profunda das causas e consequências da manutenção (palavras suas) do “instrucionismo como patrimônio nacional”.

Manifestava surpresa pelo contraste entre haver tanto diagnóstico disponível e se manterem péssimos desempenhos. Assente numa rigorosa fundamentação, o mestre assim concluía: por não existir “um projeto de mudança satisfatório, parecendo que a escola que temos é modelo intocável, acima das ideologias”.

No ensino médio, o aprendizado de matemática era insignificante: 9.1% em 2017. Isto é: 90% dos estudantes não aprendiam. “No Enem, apenas 53 estudantes obtiveram nota máxima em redação, dentre 4 milhões de participantes; quase ninguém”. Quando abordava a situação do Ensino Médio, o Conselho Nacional de Educação chamava a atenção para a necessidade da “recriação da escola”. A expressão “recriação da escola” constava do parecer do CNE sobre uma proposta de base curricular, a chamada BNCC, um documento espúrio, que reforçava um modelo educacional em tudo oposto à “recriação da escola”.

No tempo da pandemia, a administração escolar tentava “recriar” virtualmente a sala de aula presencial. Exportava para a Internet e para programas de TV esse dispositivo central do velho modelo educacional, causador de uma hecatombe escolar traduzida nos índices que Pedro Demo evocara no seu ensaio. Sob o manto diáfano de um agressivo marketing, a administração tentava disfarçar a sua incapacidade de recriar a escola, recorrendo à mistificação. Num vídeo divulgado nesse mês de maio, a SEEDF afirmava estar agindo “para minimizar os prejuízos com a suspensão das aulas na rede pública”. Era mais uma fake new, a juntar a outras conservadoras e dissimuladas iniciativas, que adiavam a “recriação da escola”.

Se, presencialmente, a imposição do modelo da escola da aula fora causa da trágica situação educacional, a manutenção por vídeo aula desse modelo contribuía, não para “minimizar”, mas para agravar a situação. Como diria o Pedro, “recriar a escola”, no discurso dos burocratas da administração parecia ser um “ato falho” ou de “má consciência”: “tomando o termo ao pé da letra, indica, primeiro, que o atual sistema não pode continuar; segundo, que é preciso, saindo dele, fazer outro”.

Na era da pós-verdade e do colapso do sistema de ensino, tomava forma um sistema de aprendizagem inspirado na proposta de “aprendizagem autoral” do amigo Pedro. Essa proposta requeria a “recriação do formato escolar, outro professor, outra pedagogia”. O Mestre Pedro foi inspiração para núcleos de projeto, que tentavam “minimizar os prejuízos com a suspensão das aulas na rede pública” e para, efetivamente, recriar a escola.

Por: José Pacheco

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