Estórias da Velha Escola (XLIX)

Águeda, janeiro de 2040

Continuando a breve viagem por Portugal, regressei a Águeda, para “palestrar” numa conferência sobre inovação em educação – mais uma oportunidade de rever amigos: o Rui, responsável nacional da formação de professores e o Henrique, diretor de um centro de formação. Conheci o Rui, quando jovem candidato a professor. Acompanhei-o até ao seu doutoramento. Conheci o Henrique, quando era ainda uma criança, filho do um amigo, que me deu lições de coerência. Ambos alcançaram um estatuto profissional de nomeada. De algum modo, ambos “passaram” pela Ponte, mas a vida nos levou por diferentes caminhos.

No Portugal desse já distante ano de 2020, a conferência de Águeda parecia inserir-se em mais uma tentativa de mudança, apontava a possibilidade de surgirem práticas inovadoras. Os palestrantes dissertaram sobre a diferença entre mudança e inovação, lendo power point repletos de sofisticação do discurso de teóricos de antigamente. A únicadiferença era a da tecnologia utilizada pelos palestrantes: o retroprojetor de há quatro décadas fora substituído pelo computador.

Comecei a “palestra” agradecendo o ato de coragem dos organizadores do evento, pois o fato de convidarem este velho professor constituía um verdadeiro ato de coragem. Em 2020, decorria um projeto chamado “autonomia e flexibilização curricular”, que de autonomia e de inovação nada tinha. E a Escola da Ponte nunca fora perdoada por ter ousado flexibilizar o currículo e ser autônoma… quarenta anos antes. Nesse tempo, burocratas mancomunados com o “sistema” afirmavam serem as minhas concepções controversas, românticas e lunáticas. Eu ignorava a verborreia dos críticos e não respondia aos comentários insultuosos, que enlameavam as redes sociais. Seguia o conselho de Demócrito, que dizia ser a palavra a sombra da ação...

Ao longo do século XX, autores de nomeada já apelavam à necessária harmonia entre pensamento e palavra, bem como à coerência entre palavra e ação. Para Freud, o pensamento era o ensaio da ação. Bergson escreveu: Pense como um homem de ação, atue como um homem de pensamento. E Freire afirmava, não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.

Na peça Man and Superman, Bernard Shaw escreveu: “those who can do; those who can’t, teach, expressão irónica bem ao seu estilo, que a cultura popular traduzia por “quem tem competência que se estabeleça”.

“Quem sabe faz, quem não sabe ensina” – Naquele tempo, quem sabia fazia; quem não sabia era considerado especialista e criticava o que não conseguia entender… ou fazer. Quem não sabiaensinar desistia do árduo chão da escola, fazia um doutoramento qualquer, ia dar aula na universidade,assessorava inúteis projetos de inovação ministerial, ou fazia formação de professores, ganhando a vida fazendo palestra de power point. Prestava-se um péssimo serviço à educação, reforçandopreconceitos, contribuindo para confundir a opinião pública e até mesmo para deturpar e destruir o árduo trabalho de quem sabia e fazia inovação.

Os tempos são outros, queridos netos, tempos de coerência, compaixão, diálogo. Perdoai, pois, o tom amargo posto nesta prosa. É preciso recordar erros de antanho, para que não se repitam. E preciso dizer que a Ponte existiu e resistiu, apesar das muitas tentativas de destruição que sofreu. Que a história da Ponte foi feita de resiliência, dignidade e… inovação.

 

Por: José Pacheco

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