Lucas de Rio Verde, 4 de agosto de 2040
Uma semana após retornar à escola particular, o filho de um professor de rede pública apresentou sintomas de gripe e falta de ar. O médico que o atendeu não fez teste para covid-19, mas indicou uma pequena alteração no pulmão. Comentário do preocupado pai:
“Ele está numa escola particular. Levou a máscara e me disse que as mesas estão distantes. E que as crianças estão proibidas de emprestar lápis, borracha. Não sei se foi na escola… mas ele deixou de ir à aula esses dias”.
Critérios economicistas prevaleciam sobre o critério de preservação da vida humana. Os ministérios insistiam no “regresso às aulas” e recomendavam: “Trocas de lápis proibidas, divisórias de acrílico em mesas para atividade em dupla, revezamento de dia de aula, distanciamento entre cadeiras e mesas, ausência de contato físico e de convívio em áreas coletivas, proibição de empréstimos de material escolar, rodízio…”.
Uma pesquisa mostrou que cerca de oitenta por cento dos brasileiros pensavam que as escolas deveriam continuar fechadas, mas um prefeito publicou um decreto que permitia o retorno da rede privada. Entretanto, a Justiça (mais ajuizada que o prefeito) suspendeu a decisão.
Muitas escolas particulares não resistiram a quatro meses sem atividade. Algumas despediram professores, outras faliram. Condoído com a difícil situação, um secretário de educação admitiu que o retorno às aulas nas escolas particulares cumpria a necessidade de recuperação econômica:
“A atividade das escolas particulares é comercial. Elas precisam o quanto antes retornar suas atividades”.
Segundo esta racionalidade, o retorno às salas de aula não poderia esperar o surgimento de uma vacina e, enquanto a imunização coletiva não fosse realidade, as escolas precisariam apenas de adotar protocolos rígidos de higiene e pensar num sistema misto de ensinagem, com atividades presenciais e online.
Entretanto, um documento elaborado por “especialistas” recomendava que escolas evitassem a reprovação dos estudantes, sugeria a possibilidade de aumentar os dias letivos do calendário escolar de 2021. E recomendava flexibilidade para escolas particulares, que tinham “mais estrutura para voltar e problemas contratuais concretos para levar em consideração”. The show must go on… o vil metal falava mais alto!
Especialistas de ocasião afirmavam que a pandemia trouxera aprendizagens que deveriam ser incorporadas no funcionamento das escolas. Quais seriam? Uma “especialista” propunha “dividir as turmas, adotar rodízio de alunos e caminhar no sentido de um ensino híbrido construído com base no que se aprendeu na pandemia”. Outro afirmava ser o ensino presencial “a solução mais adequada para uma retoma da normalidade, um ano letivo em que as primeiras semanas seriam destinadas à recuperação das aprendizagens”. “Turma, ensino, recuperação, ano letivo, normalidade”… os “especialistas” nada tinham aprendido com a pandemia!
A crise sanitária trouxera consigo uma profunda recessão económica com características globais, que feriu profundamente a economia. A covid-19 havia exposto as fragilidades dos modelos de desenvolvimento económico e social até então adotados. A pandemia havia acelerado a tendência para a transição digital, obrigando empresas e instituições a reinventarem modelos e sistemas de funcionamento. Urgia construir um novo paradigma, para identificar e gerir os riscos, não só de novas pandemias, mas também o risco de voltarmos ao passado, sob o pretexto de criar uma “escola híbrida do futuro”.