Estórias da Velha Escola (XLV)

Caldas da Raínha, janeiro de 2040

Escrevo esta cartinha no dia em que se comemora os 95 anos da libertação de Auschwitz. Para que não se mate a memória do holocausto, para recordar que, no final da segunda década deste século, alguns bonsais humanos incentivavam práticas escolares reprodutoras da proto-história da humanidade.

A militarização da escola operada pela Prúsia do século XIX era reforçada por medidas absurdas emanadas de um poder público, que desconhecia que o adestramento não define a educação, que a educação é incompatível com uma organização autoritária da vida.

Há cerca de vinte anos, num tempo de pós-verdade, assistimos a um “regresso ao passado”. O pesadelo cessou, felizmente. Hoje, libertos de “militarizações”, os tempos são outros. Mas continua a ser necessário denunciar o autoritarismo, que fez do sistema educacional alemão do Terceiro Reich o ninho da serpente.

Nas cartas, que escrevi à Alice, vos falava depássaros. Nesta, evocarei a simbólica pomba da paz, com ramo de oliveira no bico. Simbolicamente, anunciava o nascer de um novo tempo, onde práticas educacionais fósseis não faziam mais sentido.

Hoje, estão nas prateleiras dos museus da pedagogia. Mas, vinte anos atrás professaurios as reproduziam, condicionando sementeiras de humanidade, condenando sucessivas gerações de aves a uma sub-vida. Mesmo com o pombal aberto, as jovens aves não se arriscavam em voosdivergentes.

Confirmando essa metafórica evidência, em pleno século XXI, ainda eram muitas as escolas onde se “dava aula”, na ignorância de que a aula não ensinava e de que havia muitos modos de aprender. No século XIX, num tempo em que já se questionava se seria possível ensinar a todos como se fosse um só, o Eça das Conferências do Casino escrevia: As crianças, enfastiadas, repetem a lição, sem vontade, sem inteligência, sem estímulo. O professor domina e põe todo o tédio da sua vida na rotina do seu ensino.

Mais de cem anos decorridos, a pretrexto de juvenis indisciplinas, de curriculares flexibilizações, ou de baixos índices de proficiência – que a escola da aula produzia! – burocratas e políticos boçais criavam a aparência do novo e deixavam tudo como dantes.

Mas, au bout du chagrin, uns fenêtre ouverte, une fenetre eclairé … e o amigo João, pai amoroso, responsável, preocupado com o futuro dos seus filhos, procurou e encontrou uma escola onde algumas professoras éticas ousaram criar um núcleo de projeto. Com os jovens a seu cuidado, começaram a construir projetos de vida e a produzir conhecimento útil à comunidade. Na produção de currículo, contemplaram a dimensão da consciência planetária, para obstar à destruição da vida em comum. Porque, nesses sombrios tempos, a Austrália estava sendo devastada pelo fogo. As geleiras estavam derretendo. Tragédias provocadas pela humana incúria, faziam perecer milhões de animais e aceleravam a extinção de espécies. Os Estados Unidos e o Irão ameaçavam começar aquilo que poderia ser a terceira (e última) guerra mundial…

Na contracorrente, o João, o Manuel, o Diogo, a Magda, a Conceição, o António, o André, o Bernardo e tantos outros amorosos educadores, anunciavam tempos de paz, a ultrapassagem da proto-historia da humanidade.

 

Por: José Pacheco

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