Butantã, janeiro de 2040
Na São Paulo de há exatos vinte anos, o projeto da Escola Aberta marcava o fim de uma época de esboços de mudança e o início de uma década de efetiva inovação. Nesta carta, recorro ao conteúdo de um e-mail, religiosamente guardado num velho pen drive – recordais-vos desse utensílio? – e apenas acrescentarei algumas palavras-alinhavos estruturantes das falas da minha amiga Edilene. Ei-las:
Coloquei uma faixa na porta: “Matrículas Abertas – Escola Gratuita”, para que as pessoas entrassem sem medo de essa escola vir a ser mais uma escola particular, competindo com outras da região. As pessoas entravam e eu pedia-lhes que voltassem para os seus lares e assistissem a uns vídeos, na Internet, para decidirem se aquela escola era a que mais convinha aos seus filhos. Faziam a inscrição e só voltavam para fazer a matrícula, se considerassem que aquela escola cuidaria bem dos seus filhos e a todos garantiria uma boa educação.
Um dos pais, de entre os que voltaram para fazer a matrícula, quis falar comigo. Entrei na sala. A menina estava em pé, ao lado da mesa, de braços cruzados, cabeça baixa, fechada… O pai olhou para mim e disse: “Convença a minha filha!”
Eu achei estranha aquela situação: “Convencer de quê?”
“Convence! Convence ela a ficar nesta escola!”
“A escola não é só para ela. É para vocês, para a família, também…”
“Eu já sei, eu já sei como é esta escola. E eu já resolvi.”
“Não vou convencer a sua filha. É você que tem de conversar com ela.”
“Eu já falei, mas ela não quer sair da outra escola.”
“Não vamos fazer a matrícula da tua filha.”
“Como não?!”
“Não! Porque, se você não está convencido, como vai convencer a tua filha? A forma que você está agindo, mostra que você não entendeu esta escola.”
Recolhi os papéis, qe ele já tinha preenchido. Devolvi-os e disse:
“Você não vai fazer a matrícula agora. Vai assistir a este documentário.”
Passei uma lista de tarefas para ele. Ele olhou para mim e disse:
“Está me dando lição de casa?”
“Estou. E você só vai voltar aqui, quando eu vir um brilho nos seus olhos.”
Passados alguns dias, eu estava com um grupo de crianças, na frente da escola, planejando a nossa festa cultural, e eu senti alguém batendo no meu ombro. Olhei para trás e o mesmo pai me disse: “Está vendo o brilho nos meus olhos?”
“Sim. Agora, estou vendo.”
Ele me deu um abraço e disse: “Muito obrigado! Por você ter insistido. Por você me fazer voltar para casa, refletir com a minha família. Eu fiquei muito bravo. Mas, assistindo a tudo aquilo, o vídeo, o documentário, eu pude enxergar qual era esta escola. E por que você não estava aceitando a matrícula.”
Hoje, ele é um pai ativo, participante, sempre com aquele brilho os olhos… O que ficou para mim marcante foi que a filha dele, no primeiro dia, chegou com um lindo sorriso de braços abertos, para me abraçar.
Quando a família e a escola estão em harmonia, com o mesmo propósito, a criança vem com um olhar amigo, vem para aprender. Estas famílias estão nesta escola, porque acreditam nesta educação. Sabem que a escola não é para elas, mas que é feita com elas.
A Escola Aberta confirmou a freiriana sentença, que nos dizia que a educação não mudaria o mundo, mas que mudaria as pessoas… que mudariam o mundo. Hoje, eu posso concluir que não estava errado, quando, há cerca de quarenta anos, escrevi um livrinho com o título: para os filhos dos filhos dos nossos filhos.
Quando a eternidade se aproxima, sei que dareis novo significado às histórias, que eu vos deixar.
Com amor, o vosso avô José.
Por: José Pacheco