Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCXXIII)

Plano Piloto de Brasília, 19 de setembro de 2040

Hoje, se festeja mais um aniversário de Paulo Freire. No lugar etéreo onde se encontre, o Mestre deverá estar feliz. Nesse dia de há vinte anos, celebramos a sua memória, marcando encontro na Internet, para organizar uma Rede de Comunidades de Aprendizagem.

Neste setembro de 2040, reencontrei educadores que nele se inspiraram. E, no arquivo das cartas,que nesse tempo recebi, encontrei uma longa missiva, de que transcrevo um breve excerto:

“O grande entrave para a melhoria da qualidade educacional brasileira é o fato de que nossa população está satisfeita com nossa escola. Os pais estão satisfeitos porque não vislumbram possibilidades maiores do que gerações já viveram – aprender pouco ou pouquíssimo na escola. Eles precisam dar-se conta de que há algo mais nesta experiência de sucesso na alfabetização e não atribuam como um dos pais de aluno, como sorte de seu filho ter tido uma professora com “tino”, no sentido de professora com uma intuição natural ou com a “conhecida” vocação para mestra.

Naquele tempo, havia professores disponíveis para aprender, em permanente estado de projeto, porque se apercebiam da sua freiriana incompletude. Não sendo responsáveis por aquilo que deles fizeram, eram responsáveis por aquilo que fizessem com aquilo que fizeram deles. Sabiam ser eles o primeiro obstáculo à mudança e se envolviam em processosde reelaboração da sua cultura profissional. Porém, outros obstáculos se apresentavam. Entre eles, o autoritarismo, expresso num naco de prosa do livro “Professora, sim; tia, não”:

Como esperar de uma administração de manifesta opção autoritária, que considere, na sua política educacional, a autonomia das escolas? Que considere a participação real dos e das que fazem a escola, na medida em que esta se vá tornando uma casa da comunidade? Como esperar de uma administração autoritária, numa secretaria qualquer, que governe através de colegiados?

Felizmente, algumas secretarias já eram geridas por educadores que sabiam que o ato de educar era um ato político, um ato de amor. E o amor, como diria o Herbert, é o único carburante que se conhece, que aumenta à medida que se emprega. Autonomia é um ato relacional e contribuir para a autonomia do outro é um ato de amor.

Conheci professores insatisfeitos com o seu desempenho. Perguntavam:

Se eu dou aulas tão bem dadas, por que razão há alunos que não aprendem?

Dei-lhes a ler a obra de Freire e a distância entre o pensar e o fazer se encurtou. Um koan incontornável se apresentou: se eles davam aula e havia alunos que não aprendiam, esses alunos não aprendiam porque eles… davam aula.

Ao invés de dar respostas a perguntas que não escutavam, se interrogaram. Se a aprendizagem se concretizava na intersubjetividade, haveria outros modos de ser professor? Outros modos de aprender e talvez ensinar? De que maneira todos os jovens poderiam aprender o que era suposto que aprendessem? Inspirados no Mestre, esses professores não cederam ao fácil. Juntos, conceberam espaços e tempos de uma nova construção social onde, efetivamente, se aprendia.  

Em setembro de 2020, quase um século decorrido sobre o nascimento de Paulo Freire, a primeira comunidade de aprendizagem brasileira retomava a sua atividade. Após um crítico início e ainda em plena pandemia, a Rede de Comunidades de Aprendizagem do Distrito Federal um projeto de política pública! – ressurgia. Finalmente, aaprendizagem acontecia num re-ligare essencial entre a educação escolar, familiar e social. Em comunidade.

Por: José Pacheco

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