Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLXI)

Nova Trento, 27 de outubro de 2040

No distante 2020, um amigo gaúcho assim se manifestava, num evento realizado em sua homenagem:

“Educação é uma coisa complexa. Não é o que o povo pensa, que basta pôr toda a gente numa sala de aula…”.

Logo na primeira vez que participamos de uma mesa de debates, expressamos a nossa mútua estima. Eu amava todos os educadores que diziam e faziam o que era preciso que se dissesse e se fizesse. Danilo Gandin era um desses educadores.

Esse Mestre era contrário ao uso de livro didático, porque a didática infantilizava os professores. Defendia uma mudança radical na forma como as escolas tratavam os seus alunos, a partir de um projeto político-pedagógico onde o autoritarismo e o conteúdo voltado para o vestibular não tivessem lugar. Era contrário à imposição do vestibular. Mas, no formato de 2020, o ENEM continuava sendo mero um instrumento de darwinismo social.

Há vinte anos, Danilo Gandin era uma das vozes mais autorizadas e esclarecidas no campo da educação. Talvez por essa razão, era quase ignorado. No Brasil desse tempo, a educação transformara-se num refúgio de canalhas e mercadores, que manipulavam a opinião pública, travestidos de inovadores.

A Hannah aprofundara o conceito de  “banalidade do mal”. E, em 2020, a teoria da Hannah era comprovada, sendo posta em prática. Os seus efeitos no campo da educação foram catastróficos. Não fora esforço de educadores conscientes e éticos, teríamos perdido uma década de transformações. Na Internet, recorrendo ao discurso das ciências da educação e deturpando esse discurso, marqueteiros da educação semeavam novas colonizações mentais. Negociavam “ensinos híbridos” com escolas particulares e com o poder público. Sutilmente planejavam a privatização da escola pública.

O planejamento do Mestre Gandin era de outra natureza. Escutemo-lo, à distância de muitas décadas:

“Existe um relacionamento quase cômico entre a atividade de planejar e a de arquivar: as pessoas que se envolvem em planejamento ortodoxo no Brasil necessitam, rapidamente, de algumas lições de arquivística. A maioria dos planos alcança, numa boa hipótese, um lugar respeitável no arquivo da instituição a que se ligam ou no de outras, cujos membros se interessam pelo estudo desses pretensiosos filhos da burocracia.

Num ano qualquer da década de 60, participando da elaboração de um audacioso plano, coube-nos, a mim e a um colega de trabalho, rever tipograficamente o texto definitivo. A penosa tarefa (eram mais de 200 páginas) interrompia-se por seguidas pausas, necessárias à nossa sanidade mental. Numa delas, durante um cafezinho, disse-me o amigo: “Vamos trabalhar com muito cuidado, pois nós seremos os últimos a ler este plano”. Nossa risada foi uma participação festiva na crença geral de que fazer planos é urna tarefa com valor em si mesma, da qual nada se espera realmente.

Não podemos esquecer o formalismo e a burocracia, que matam tudo aquilo em que tocam. Os experts fazem-nos preencher quadrinhos e formulários e nos dizem que estamos planejando. Evidentemente, nem eles mesmos levam a sério aqueles papéis e não julgam que vamos fazer algo daquilo. Mas a inconsciência e a falta de soluções os obrigam a render culto ao formalismo e à burocracia.

O planejamento trará a transparência de nossa ação, ou será burrice, safadeza e opressão. Há ainda a falta de capacitação técnica das pessoas que “planejam” ou mesmo coordenam a feitura de planos.”

Reparo, agora, que este saboroso naco de prosa ocupou quase toda a cartinha. Ainda bem, porque nada mais precisarei acrescentar.

 

 

Por: José Pacheco

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