Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLXXXIX)

Ijuí, 15 de novembro de 2040

Decorria o mês de novembro daquele estranho 2020. Os jornais davam conta da barbárie. Na França, um professor foi decapitado, por ter mostrado caricaturas de Maomé na sala de aula. Um ditador mandou construir e inaugurou uma estátua dourada em homenagem a um cachorro. Acontecia o “regresso às aulas sem teste negativo à covid-19”. Já havia pais preocupados com as aglomerações provocadas pelo “regresso”. Entre esses pais, este vosso avô, pai do vosso pai, porque o professor André contraíra covid-19.

A avaliação do evoluir da pandemia subestimara o potencial do contágio do vírus. O economicismo e os erros de desgovernantes haviam condicionado a avaliação. E uma segunda vaga de sofrimento e morte atingia a Europa.

Queridos netos, dissestes que eu talvez tenha exagerado quando escrevi que os gestores educacionais sabiam aplicar prova e dar nota, mas não sabiam avaliar. Pois ficai sabendo que essa afirmação era feita da mais pura verdade. A propósito, vos darei a conhecer como se fazia avaliação na Ponte. Se, nos idos de vinte, os gestores tivessem visitado essa escola, não diriam besteiras. O meu amigo Celso visitou-a, estudou-a e assim a descreveu:

“Um portão aberto: uma escola cidadã! Artes, o despertar da sensibilidade, desenvolvimento de novas linguagens, progressão… continuada.

A avaliação determina nossas práticas educativas. Nos principais dispositivos ali desenvolvidos ou aplicados, a avaliação está presente. A Assembléia da escola (toda sexta-feira, à tarde) tem sua origem na avaliação que os alunos fazem do seu cotidiano, expressa, por sua vez, nos dispositivos do Acho bem e do Acho mal (cartazes que ficam nos murais e os alunos vão registrando). Na Reunião de professores (quartas-feiras, à tarde), se avalia o Projeto ese  busca formas de melhorar. No Debate de todos os dias, os alunos avaliam o dia de trabalho. E os portfólios também fazem parte da paisagem cotidiana dos ambientes de estudo.

A observação é uma prática constante de avaliação por parte dos professores, sobretudo em termos de valores e atitudes (sem estabelecer ruptura com a avaliação de conhecimentos). Como não existe observação neutra, ela é pautada na matriz axiológica da Ponte: solidariedade, responsabilidade e autonomia.

A autoavaliação é um dos pontos fortes da avaliação, estando também presente em vários dispositivos: Eu preciso de ajuda (o aluno, que não sanou as suas dúvidas, sinaliza para o professor e demais colegas); Eu já sei (aluno, tendo convicção de seu aprendizado, sinaliza para o professor que está pronto para uma avaliação mais formal – que também existe na Ponte, mas que é algo muito tranqüilo, pois não serve para classificar, e sim para qualificar).

O amigo Celso deitou um olhar atento ao quotidiano da escola e captou o essencial: avaliar não era classificar. Porquê comparar alunos? Porquê ordenar seres humanos numa escala? Porquê fomentar uma competitividade negativa?.

Já Pasolini dissera que as pessoas não deveriam comportar-se como “alpinistas sociais”. Deveriam construir uma identidade capaz de avisar a comunidade de que se posderia fracassar e recomeçar, sem que o valor e a dignidade fossem afetados.

Não ser um “alpinista social” consistia em não passar sobre o corpo dos outros, para chegar primeiro. “Perante um mundo de vencedores vulgares e desonestos, de fazedores falsos e oportunistas, de pessoas importantes, que ocupam o poder, que escamoteiam o presente, e perante neuróticos do sucesso”, numa antropologia do vencedor, Paolini prefiria o perdedor.

Por: José Pacheco

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